O chefe pega no meu pé

Meu chefe vive “pegando no meu pé” por nada e, por isso, às vezes lhe desejo que algo de ruim lhe aconteça. Estou errado? – C. M. S.

A pergunta do nosso leitor parece questionar o simples fato do chefe pegar no pé dele. Não sabemos, porém se o chefe teria motivos válidos para manter essa atitude ou não. A forma como é formulada a pergunta nos faz supor que o que incomoda – a ponto de querer desejar algo ruim – é o simples fato de alguém “pegar no pé”, ou seja, é a dificuldade de reconhecer o papel da autoridade e a necessidade de uma hierarquia no ambiente de trabalho.

A forma como nos relacionamos com a autoridade e com as leis depende de vários fatores. A figura paterna (que pode não ser necessariamente o pai) exerce sem dúvida uma importância muito grande nesse sentido. Contudo pode não ser o fator determinante. O primeiro elemento que “pega no nosso pé” de fato é a própria realidade externa, que se apresenta como algo que frustra nossos desejos onipotentes. Desde o início de nossa vida se decide a forma como vamos nos relacionar com a realidade e no “sentido” ou na “falta de sentido” que ela representa para nós. Simplificando, podemos dizer que uma relação inicial inadequada com a realidade pode levar ao desenvolvimento de dois tipos fundamentais de personalidade.

No primeiro caso prevalece a submissão à realidade externa que, sucessivamente, poderá levar a acatar a própria autoridade e as leis do grupo sem questionamentos. Existe de fato nessas personalidades uma instância interna que “poda” constantemente a espontaneidade e impossibilita o enfrentamento com a realidade, mesmo quando isso é necessário.

Um outro desenvolvimento possível é aquele que leva a uma impossibilidade de lidar com a realidade de forma adequada. Esta estrutura pode ser mais ou menos intensa (como a precedente por sinal). Ela vai desde a “negação” da realidade (loucura) a uma relação ambígua com a realidade, que tende a manipula-la.

Uma personalidade dominada por essa síndrome terá dificuldade de se relacionar com qualquer tipo de autoridade e de regra. Isto independe do fato da autoridade exercer sua função de forma adequada e das regras serem “justas”. O que é recusado é a “autoridade” em si e qualquer tipo de regra, independentemente de qualquer juízo de valor. Ou seja, o que é recusado no fundo é a própria realidade externa, que, ao frustrar o desejo, é sentida como sendo hostil e aversiva.

Se esse for o caso, o nosso leitor terá problemas com qualquer tipo de autoridade e com qualquer tipo de subordinação a uma hierarquia e às regras do grupo. Conseqüentemente, dificilmente conseguirá se manter em um emprego.

A primeiro teste ao qual nos devemos submeter quando algo nos contraria é a nossa capacidade de suportar a frustração. A frustração do nosso desejo onipotente é necessária. Ela nos permite um importante movimento. Ela faz com que possamos nos deslocar do nosso mundo interno, dominado por fantasias onipotentes, para o mundo externo, para o mundo do outro, na tentativa de ver as coisas sob um outro ponto de vista.

A capacidade de levar em conta adequadamente a realidade é um grande passo para a maturidade psíquica.

Para o nosso leitor aconselho portanto de ver o que de fato “está pegando”. Será o seu chefe, ou a autoridade como tal (pai, policial, professor, chefe, regras do grupo, leis de trânsito, etc.), não importa qual seja? Já conseguiu se “dar bem” com regras, com algum tipo de autoridade, adotando uma atitude de respeito? A resposta honesta a essas perguntas permitirá provavelmente discernir se o problema é seu ou…. do seu chefe.

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