Não consigo conter o choro

Caro Girola, tenho facilidade de chorar em público, seja quando alguma coisa me irrita, seja quando alguma coisa me deixa frustrada. Nesses momentos coloco em cena meu sentimento. Depois, sinto-me envergonhada do fato e levo algum tempo para ‘digerir’ aquele comportamento, que pareceu infantil e bobo. A palavra que me vem à cabeça quando isso acontece é fraqueza. Parece que fui fraca, mas ao mesmo tempo penso: Não posso me manifestar? O senhor poderia me ajudar nessa questão? — Jovem de Minas Gerais

O choro é uma forma normal de externar nossas emoções e portanto não tem nada de errado em chorar. Entretanto, existem situações e contextos em que o choro gera constrangimento. Se quem chora for homem então, pior ainda, pois “homem que é homem não chora”. Trata-se porém de imposições ligadas a exigências ditadas pelo contexto cultural, que devem ser tomadas pelo que valem. São formalidades. Às vezes, devemos nos submeter a elas por causa do convívio social, mas não podemos deixar de ser nós mesmos o tempo todo, entregando-nos a uma falsa existência. Expressar nossos sentimentos faz bem e às vezes é necessário, mesmo que isso possa gerar constrangimento. Isto naturalmente vale tanto para as mulheres quanto para os homens: como diz a música “Homens também choram”.

Em sua carta, o motivo do choro parece ser uma reação emocional ligada à frustração dos seus desejos, ou a situações que a irritam. Talvez, neste caso, o que a deixa desconfortável não seja o choro em si, mas o motivo, que é percebido como um sinal de “fraqueza” ou talvez até de infantilidade. O que você chama de “fraqueza” é uma dificuldade de “suportar” a realidade, que muitas vezes se apresenta como frustrante e aversiva, pois resiste ao nosso desejo.

Nosso funcionamento mental oscila entre duas posições, ligadas a dois núcleos, o núcleo psicótico e o núcleo neurótico. Poderíamos imaginá-los como dois pólos de atração, que nos fazem oscilar entre o nosso mundo interno e o mundo externo. Quando prevalece o núcleo psicótico, ficamos à mercê do nosso mundo interno, aprisionados em nós mesmos, tomados por nossas fantasias. Nesta situação psíquica estamos expostos a nossas idealizações ou às nossas paranóias. Os processos projetivos se tornam particularmente intensos. É como se o mundo deixasse de existir, do ponto de vista emocional, pois estamos totalmente voltados para dentro.

Por outro lado, quando o núcleo neurótico é ativado, nos sentimos pressionados pelas exigências da realidade. As imposições ligadas aos valores impostos pela tradição cultural ou religiosa à qual pertencemos nos obrigam a abrir mão dos nossos desejos, e nos obrigam a um doloroso processo de adaptação à realidade,que pode nos levar a uma sensação de esvaziamento interno, que nos faz sentir falsos e irreais, pois nos percebemos à mercê do desejo dos outros.

No seu caso, quando a realidade externa se apresenta com suas exigências, parece que prevalecem os núcleos psicóticos, fazendo com que o mundo externo seja sentido como invasivo e persecutório. A reação é de irritação e de frustração. Logo porém, o núcleo neurótico entra em jogo e a chama para a realidade, fazendo-a sentir culpada, inadequada, infantil, “fraca”.

Contrariamente ao que muitos pensam, tanto os núcleos psicóticos como os neuróticos são necessários para que o psiquismo encontre seu equilíbrio entre as exigências do mundo interno e aquelas do mundo externo.

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