Feliz ano velho

Passadas as festas de fim de ano, ao silenciarem-se os fogos e o entusiasmo regado a champanhe, ficamos com as promessas e os propósitos. Surge então a suspeita que o tradicional “Feliz Ano Novo”, possa se transformar no decepcionante “Feliz Ano Velho”. Será que de fato tudo está voltando ao normal e nada vai mudar?

Isto me remete de alguma forma à pergunta que um dia alguém fez a um santo (desconfio que seja Sto. Afonso Maria de Ligório, fundador dos Padres. Redentoristas): o que ele faria se soubesse que iria morrer no dia seguinte. O santo homem de Deus respondeu que ele continuaria fazendo exatamente o que estava fazendo.

Curiosamente, recebi nestes dias de uma amiga um texto atribuído ao polêmico guru indiano Osho. Nunca sabemos se podemos realmente confiar nessas atribuições feitas na Internet a esse ou aquele autor, mas, neste caso, o texto parece ter algo a ver com aquilo que o guru, sediado nos Estados Unidos, costuma pregar.

Em resumo o texto diz que não é oportuno fazer qualquer resolução, pois todas as resoluções são restrições ao futuro. Para Osho, todas as resoluções são prisões, pois negam ao amanhã sua própria existência e impedem que ele traga seus presentes.
O seu conselho é: “Deixe apenas uma resolução estar lá: eu nunca vou fazer quaisquer resoluções”.

Obviamente, o santo e Osho querem dizer coisas diferentes, pois para um o que importa é tentar buscar a vontade de Deus no presente e para outro o que conta é viver “espontaneamente”. Ambos porém parecem concordar sobre a inutilidade dos “bons propósitos”.

Do ponto de vista psicológico, creio que a “espontaneidade” pregada por Osho faça algum sentido, desde que interpretada corretamente. Fazer propósitos aprisiona a psique de duas formas. Em primeiro lugar porque a obriga a “pensar” a realidade do dia-a-dia a partir de uma fantasia interna, que é, na realidade, uma idealização do futuro. Tudo irá acontecer de acordo com meus propósitos.

Isto impede à mente de estar realmente “conectada” àquilo que o presente traz, ou seja, às solicitações reais do dia-a-dia, atribuindo a elas um sentido, momento por momento. A atribuição de sentido é feita a partir do núcleo central da personalidade (Self). É a partir dele que, de alguma forma, surgem à ética e à estética de vida da pessoa. Neste sentido, talvez, possamos encontrar um ponto de contato com a busca da vontade divina à qual se refere a atitude do santo, ou seja, a busca daquilo que a pessoa acredita ser conveniente e adequado àquela situação.

O “propósito” ou como o define Osho a “resolução”, impedem o acesso a esse núcleo, pois se trata de idealizações que brotam da estrutura da personalidade que “cobra” a adequação às normas impostas e assimiladas internamente como “necessárias”.

Enquanto a primeira postura psíquica gera no psiquismo a possibilidade de erotizar o presente (torna-lo prazeroso e carregado de sentido), a segunda gera uma obrigação que, por ser uma cobrança, aprisiona e, portanto, não “faz sentido” para o psiquismo, gerando angústia. !

O que fazer então? Devemos deixar de planejar o futuro? Planejar é importante, desde que seja feito com flexibilidade. O plano, não é nada mais de que um “sonho” sonhado para o futuro. Todo sonho imprime um rumo ao psiquismo, mas ele nunca se realiza tal qual o sonhamos, apenas nos proporciona um encontro com a realidade que, por sua vez, imprime ao sonho seus contornos e lhe dá consistência.

Os sonhos não geram angústia, ao contrário, impulsionam e imprimem ao psiquismo uma renovada energia vital. Portanto que o Ano Novo seja repleto de novos sonhos e realizações a partir daquilo que o dia-a-dia nos proporciona

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