Vivo um dia de cada vez sem pensar no futuro. O que há de positivo e negativo nessa afirmação. Maria Cristina dos Anjos – São Paulo (SP)
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Onde você se vê daqui a cinco anos?”, costuma ser uma das perguntas propostas ao candidato durante a entrevista para concorrer a uma vaga de emprego. Se a resposta for: “Eu vivo um dia de cada vez”, provavelmente o entrevistador achará que o candidato está demonstrando pouca ambição, falta de iniciativa e de capacidade de se focar em objetivos. Podemos afirmar que essa avaliação é correta?
Para responder a essa questão, gostaria de situar a experiência do tempo na perspectiva psicológica. Neste sentido, o tempo, para além do tiquetaquear do relógio, é uma construção subjetiva da nossa mente. A forma como nos aproximamos da experiência do tempo, que envolve passado, presente e futuro, marca diferentes formas do psiquismo se apropriar da experiência humana do vivido.
Creio que, para entender melhor a difícil questão de como o tempo se organiza na nossa mente, possa nos ajudar um conceito do filósofo Walter Benjamin. Para ele existem duas dimensões que marcam a nossa apreensão do tempo, uma é a experiência e a outra é a vivência.
Tudo depende das marcas que o vivido no dia-a-dia deixa no nosso psiquismo. No caso da vivência, nossa mente, sentindo-se à mercê das inúmeras solicitações do mundo externo, se protege, reservando a energia psíquica para “reagir” às solicitações vindas de fora. O grande repositório de representações inconscientes ligadas às memórias do passado e da experiência acumulada pelo psiquismo individual e coletivo, não é acessado. Isto impede de “representar” o que estamos vivendo na nossa mente; primeiro passo para que a experiência vivida possa ser “significada”, ou seja, para que ela nos toque e adquira um significado para nós. Quando isto acontece, ou seja quando não conseguimos significar o que estamos vivendo, em vez de viver uma experiência somos vividos por ela.
A sensação interna neste caso é de dispersão, confusão, vazio, falta de sentido. Passado, presente e futuro não podem ser “ligados”, constituindo assim uma sequência que faça sentido para o psiquismo. É a situação típica em que a pessoa se sente “vivida pelo cotidiano”, em vez de viver. Evidentemente, se o viver um dia de cada vez tiver essa conotação é algo negativo, pois a mente vive nessa condição uma sensação permanente de esvaziamento e o tempo flui com tamanha rapidez que ele não é apropriado. A vida se torna apenas uma sequência sem sentido de vivências, que pouco ou nada depositam na nossa memória.
Para que o vivido no dia-a-dia seja percebido pelo psiquismo como uma experiência é necessário que as solicitações que vêm do mundo externo possam ser processadas. A experiência sensorial que é ativada no contato com os estímulos provenientes do mundo externo e do nosso mundo externo neste caso é acessada pela mente. O vivido pode ser então ligado com o repositório de representações presentes no nosso inconsciente sob forma de (traços mnêmicos (memórias), para criar uma rede de percepções emocionais que se apresentam á consciência sob forma de sentimentos, representações emocionais de algo que é ao mesmo tempo presente e passado. Tais percepções são processadas e filtradas através do exercício do pensamento que permite ligar o passado, ao presente, na tentativa de elaborar um cenário futuro que faça sentido.
A apropriação do vivido se torna uma “experiência” justamente porque pode ter um sentido que liberta a mente da prisão do simples acontecer, da sucessão rotineira de fatos, para lançar a possibilidade de “criar” algo no futuro.
Em aparente oposição a tudo isso, há orientações, sobretudo na vida espiritual, valorizando a capacidade de viver o presente. O presente é de fato o único momento que está ao nosso alcance. Viver no passado ou no futuro é também uma forma de viver alienada, inclusive do ponto de vista psíquico, podendo configurar melancolia ou tendência ao devaneio.
A meu ver existe uma conexão entre “viver o presente” de forma plena e a “experiência” benjaminiana. Viver o presente de fato supõe valorizar plenamente o que o momento nos oferece. Trata-se de uma valorização que supõe dar ao presente um sentido e isto não é possível quando o dia-a-dia é vivido apenas como uma simples vivência, uma sucessão vazia e intrusiva de fatos rotineiros. Para dar sentido ao presente, precisamos ter acesso ao nosso mundo interno, onde ele pode ser “representado”, ou seja revestido de um significado.
Desta forma, o presente pode ser vivido com plenitude tornando-se uma semente para o futuro, mas para isso precisamos saber de que semente estamos falando e para que ela serve.