É possível endurecer o coração sem perder a ternura, como dizia Che Guevara? Sinto que com a idade me endureci e perdi a ternura.
A frase de Che Guevara: “Devemos nos endurecer sem nunca perder a ternura” nos remete a um paradoxo. Como é possível manter a ternura, mesmo quando é necessário endurecer o nosso coração?
Quando a vida nos decepciona, a reação espontânea costuma ser o endurecimento, que não é nada mais do que uma defesa do nosso mundo interno diante de uma intrusão violenta do mundo externo. Como a tartaruga se refugia em sua carapaça diante de uma ameaça externa, da mesma forma o nosso psiquismo se fecha e “endurece”, para ficar menos exposto à agressão.
O objetivo do movimento de endurecimento é de evitar que o nosso mundo interno (onde residem as emoções) fique à mercê da situação agressiva. O psiquismo se retrai para manter um distanciamento saudável da situação, não deixando que ela o “invada”, provocando um colapso emocional.
Quem não consegue “endurecer” fica fusionado com a situação agressiva e é literalmente sugado para dentro dela, perdendo sua autonomia emocional. Quando isso acontece o sofrimento psíquico é intenso.
O endurecimento é portanto importante, desde que não se torne um fechamento narcísico dominado pelo ódio. O que faz a diferença é o grau de desencantamento. Se a decepção causa um afastamento da situação ou da pessoa que nos agrediu, o desencantamento tem efeitos mais destrutivos. O investimento emocional amoroso é retirado, para ceder o passo a uma sensação melancólica de luto e de perda.
Se o investimento emocional amoroso é retirado da situação ou da pessoa que nos magoou, não há mais possibilidade de ternura. Sentimentos melancólicos invadem o psiquismo, seguidos de uma necessidade incontrolável de “atacar” o objeto que causou a decepção. Trata-se de ataques sádicos e invejosos, geralmente com um intenso teor destrutivo, que não permitem a manutenção do “objeto” antes amado na esfera da afetividade amorosa. Estamos portanto falando de um luto malsucedido que se transforma em agonia melancólica diante do objeto perdido.