E viveram felizes e contentes

Desde a infância sabemos pelos contos de fada que a história de amor entre a princesa e o príncipe encantado está destinada a terminar em casamento. A história, na maioria dos casos, termina ali. Quanto ao que vem depois, sabemos apenas que os dois viveram “felizes e contentes”.

Os contos de fada atuais também “terminam” com uma linda cerimônia de casamento. Quanto ao que vem depois, infelizmente, o desfecho costuma ser mais complicado: tédio, desentendimentos, ressentimentos, separação (as estatísticas apontam que aproximadamente 40% dos casamentos acabam em divórcio) e somente em alguns casos o casal consegue a felicidade prometida pelos contos de fada, ou pelo menos, ,algo parecido.

Como já mencionei em alguns artigos, um engano bastante comum é achar que a história do casal termina com o casamento. Além dos contos de fada, no Brasil, também as novelas costumam sugerir esse final feliz. È raro que não haja um último capítulo em que tudo se resolve, geralmente com o tão esperado casamento dos protagonistas. No cinema, as comédias românticas também seguem esse caminho, deixando para os dramas contar histórias menos  encantadas.

No seu último filme, Você vai conhecer o homem dos seus sonhos, Woody Allen se mantém a  meio caminho entre o drama e a comédia romântica, descortinado com seu olhar irreverente e irônico as aventuras, encontros e desencontros de dois casais, um na faixa dos 70 anos e outro na faixa dos trinta/quarenta anos, O desfecho não é o esperado. O único casal que consegue um final aparentemente feliz, constrói seu sonho nos devaneios de uma vidente charlatã e com a aprovação do além, obtida em uma suspeita sessão espírita. Já o casal mais jovem amarga o desencantamento de ver seus sonhos ruírem, assim como o pai da moça, que buscou inutilmente recuperar a juventude perdida casando com uma deslumbrante prostituta. Ele consegue finalmente o tão desejado filho homem, mas sem saber quem é o pai.

Se antes Roy espiava a bela vizinha pela janela do prédio, depois de deixar a esposa para ir viver no apartamento dela, acaba espiando a sua ex-mulher pela janela, como antes fazia com a jovem. O bem desejado está sempre fora do alcance, na janela do vizinho ou da vizinha.

Tudo isso nos permite vislumbrar os intensos processos de idealização que acompanham a jornada amorosa. Raramente estamos dispostos a casar com uma pessoa real, geralmente preferimos casar com nossos sonhos, ou com nossos devaneios, como no caso da septuagenária Hellen.

O casamento é um lindo vaso de cristal. No dia seguinte da cerimônia ele é guardado cuidadosamente – para que não quebre – junto com os demais presentes na estante da sala.

Muitos passam a maior parte do tempo contemplando o lindo vaso, um tanto empoeirado, sem ter a coragem de tirá-lo da estante. O casamento se torna assim um ponto de chegada, marcado por uma linda lápide de mármore com a saudosa escrita: “Aqui jazem felizes e contentes Fulano e Fulana”.

Não é fácil tirar o vaso da estante e fundi-lo novamente no crisol da aventura do cotidiano para criar sempre novas peças, mais em harmonia com a realidade do casal. Este parece ser o único caminho. O casamento não é a realização de um sonho e sim o início da sua construção. Trata-se de um sonho que deve ser construído a quatro mãos, com o que está ao nosso alcance, sem idealizações, aceitando os limites e as inevitáveis frustrações que a realidade acarreta. Nem sempre resultará no lindo vaso de cristal dos comerciais de TV, das novelas ou dos filmes, mas poderá se tornar uma criativa coleção de peças, não menos artísticas. Talvez não seja tão romântico assim, mas pode funcionar

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