Os filhos e a crise do casal

Meu pai e minha mãe geralmente têm tido um relacionamento estável, mas ultimamente têm ocorrido conflitos entre eles que deixam minha mãe confusa a ponto de acreditar que o casamento acabou. Nos finais de semana meu pai sempre tem algum programa pra fazer com os amigos do trabalho e deixa minha mãe sozinha comigo, em casa. Nunca pergunta a ela se existe algum lugar ao qual ela gostaria de ir, nunca a convida para jantar fora, ou seja, a sensação que tenho (mas nunca disse isso a ela) é que, para ele, a função da minha mãe e ficar em casa e cuidar dos filhos e, como ele trabalha a semana toda fora da cidade, a diversão e o descanso dele são mais importantes. Ela acabou perdendo o interesse em si mesma, já não se arruma mais, perdeu o gosto até por coisas que ela sempre amou fazer. Não sei o que está acontecendo com meu pai. Gostaria de uma orientação. Filha preocupada – de algum lugar do Brasil

É bastante frequente que os filhos fiquem preocupados com a situação do casamento dos pais, sobretudo quando começam a surgir sinais de crise, como no caso descrito em sua carta. Naturalmente a forma de expressar essa preocupação varia de acordo com a idade e o grau de desenvolvimento emocional, assim como também varia a forma como os filhos são atingidos pelas crises do casal. Mas o que o filho pode fazer quando percebe que o casamento dos pais está ameaçado? É possível ajudar?

Em primeiro lugar, é importante que ele possa identificar e aprender a lidar com seus próprios sentimentos. Do ponto de vista emocional, de fato, esta situação pode acarretar reações de vário tipo: raiva, culpa, angústia… Trata-se de sentimentos incômodos, dentre eles, a culpa é o mais comum, embora muitas vezes não seja percebida de forma consciente. Ma por que culpa? Por disputar de forma inconsciente o amor exclusivo dos pais, os filhos desejam, sem ter consciência disso, separá-los e acabam por se sentir culpados quando os pais parecem não se amar mais. É como se, por ter desejado inconscientemente de ser amados de forma exclusiva, eles atribuíssem a si a crise no relacionamento do casal.

Junto com a culpa costuma surgir um sentimento de raiva. Os filhos se sentem traídos ao perceber que os pais não se amam mais como antes. A relação amorosa entre os pais representa de fato para os filhos um “ambiente” seguro. Este ambiente é descoberto muito cedo, a partir do momento em que o bebê começa a perceber a existência do mundo externo como separado dele, saindo assim da estrutura narcísica (egoísta poderíamos dizer) que caracteriza o início da sua vida psíquica. A “perda” desse ambiente seguro representa para o filho uma ameaça. É inútil dizer que, com o passar dos anos as relações com os pais podem acarretar outras “raivas”, sobretudo quando a relação com eles é difícil. Neste caso é comum que um dos filhos apóie um genitor e outro o outro. Manter uma certa imparcialidade, nestes casos é importante, para evitar de se associar às fantasias persecutórias que costumam surgir na relação do casal. O filho pode ser uma referência importante para que o casal possa identificar essas fantasias e perceber que talvez a realidade não seja exatamente como ele imagina.

No caso específico citado em sua carta parece haver de sua parte uma certa identificação com sua mãe e com o lugar de exclusão ao qual, supostamente, seu pai a relegou… Mas será que não houve também uma desistência da vida por parte de sua mãe? Ela parece ter perdido o interesse por si mesma, sua auto-estima e a possibilidade de “estar viva“. Talvez o problema não seja apenas o “descaso” do seu pai. A reação dele pode ser uma tentativa de se manter vivo, de se proteger da estrutura depressiva de sua mãe. Neste caso você poderá ajuda-la evitando se associar a essa estrutura, estimulando-a a descobrir novos interesses, a habitar novos mundos.

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