Solitarios conectados

Uma das características do nosso tempo é a quase ilimitada possibilidade de se conectar, através das redes sociais, com pessoas próximas e distantes. Apesar disso talvez estejamos vivendo uma das épocas em que a comunicação com o outro se tornou mais difícil, fragmentada e, frequentemente, inexistente.

No livro Cegueira Moral, publicado em 2013, Zygmunt Bauman, um dos maiores pensadores contemporâneos, denuncia a “insensibilidade moral” como o problema central de nossa época, algo muito próximo ao que o Papa Francisco define como “globalização da indiferença”.

Como explicar que o ser humano, tão conectado, tão ciente dos problemas do mundo, tenha se tornado moralmente insensível? Que tipo de proximidade do outro estamos estabelecendo através da parafernália tecnológica que está ao nosso alcance? Bauman cunhou o termo “relações líquidas” para tentar nomear esta forma curiosa que temos hoje de nos vincular, permanecendo na realidade fechados em nossa bolha narcísica e à mercê de nossas fantasias que não chegam a se deixar questionar pela realidade. A realidade virtual, essencialmente líquida, se sobrepõe constantemente à realidade real, sólida.

Do ponto de vista psicológico, o líquido remete a vínculos intercambiáveis e manipuláveis que não oferecem resistência ao nosso desejo por se adaptarem à construção de um mundo paralelo, virtual, dominado pela idealização e a sedução, que faz jus á nossa voracidade primitiva.

Mas o que fazer com o mundo real que foge a essa construção alucinada? Como em toda alucinação o desfecho é o ódio do real, que é colocado para fora, expelido como algo “estrangeiro”, que, neste caso, se torna sinônimo de inimigo. O “amigo” do Facebook, ou o “parceiro sexual” do Tinder podem em um piscar de olhos se tornarem “inimigos” ou mercadoria descartável. Afinal basta um clique para que tudo acabe magicamente. O clique é a nossa varinha de condão.

O mundo “não eu” é o grande inimigo, contra o qual insurgimos quando irrompe em nossa vida sob múltiplas faces. Como Bauman frisa em sua análise, o nosso é um mundo dividido entre anjos e demônios, criados pela necessidade interna de separar radicalmente bem e mal, para podermos depositar o nosso mal no outro e assim poder odiá-lo, sem ter que reconhecê-lo em nós. Chegamos assim à trágica conclusão que em cada um de nós se esconde um potencial carrasco nazista, pois pulsão de vida e de morte são elementos constitutivos do humano que abrem caminho para a possível banalização do mal diagnosticada por Anna Arendt.

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