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Saber compreender o mistério do outro

Saber compreender o mistério do outro – Conheço uma pessoa muito autoritária, metódica, detalhista e segura de si em extremo. Tem dificuldade em acolher ideias, também é muito apegada ao dinheiro. Tais características podem indicar que essa pessoa na verdade é fraca e tem medo de sentir-se “menor”‘ que as outras que estão ao seu redor? Outro ponto importante é sobre mim mesmo, pois tenho extrema dificuldade de lidar com pessoas que possuem essas características. O que seria mais indicado para um melhor convívio e para que eu torne essa minha dificuldade em compreensão? Maria da Glória Bastos Alvarenga, Lorena

Costumo brincar dizendo que quando somos dois somos quatro, pois sempre em uma relação estão envolvidos não apenas os aspectos conscientes de duas pessoas, mas também seus inconscientes.

A pergunta acima formulada nos propõe um caso típico. Por um lado a leitora enumera os aspectos que puderam ser percebidos por ela como características da personalidade do outro com quem se relaciona. Na sua concepção, a outra pessoa é autoritária, metódica, detalhista, segura de si, apegada às suas ideias e pouco generosa. Por outro lado ela desconfia que exista um lado oculto (o inconsciente do outro), por trás das aparências: Talvez essa pessoa na realidade seja fraca e insegura.

Em primeiro lugar acho um sinal de maturidade emocional que alguém possa questionar suas percepções e superar seus sentimentos mais imediatos pera tentar “compreender” o outro. Como salienta a leitora, tal atitude não é fácil, pois os nossos sentimentos não aceitam ser simplesmente ignorados. Precisamos antes acolhê-los, pois eles têm sua razão de existir.

Nem sempre contudo a razão de existir dos nossos sentimentos está totalmente relacionada ao que estamos experimentando naquele momento. Eles de fato são processados pelo nosso mundo interno, que pode estar distorcendo e aumentando a realidade dos fatos, devido a experiências do passado, sepultadas no nosso inconsciente, que potencializam as nossas reações emocionais diante de um fato ou de uma pessoa.

É justamente a desconfiança em relação ao que “sentimos” que nos permite tentar ver as coisas a partir de outro vértice, em perspectiva, mais do alto, vamos dizer. O outro com quem nos relacionamos é sempre muito mais complexo do que imaginamos e reduzi-lo a esquematizações banais é injusto e não faz jus à realidade dos fatos.

A nossa leitora, desconfiando que sua percepção seja excessivamente radical, tenta “interpretar” o mundo interno da outra pessoa. A hipótese que ela levanta  pode ser correta, mas também pode ser influenciada pela sua necessidade de “de-potencializar” a outra pessoa que se apresenta como demasiadamente poderosa, autoritária e arrogante. Para poder lidar com ela com menos raiva, precisa torna-la mais frágil.

Interpretar o outro não é fácil e pode ser muito perigoso quando nos leva a etiqueta-lo, fechando-o em um “diagnóstico” que pode ser tão enganoso quanto a primeira percepção mais imediata.

Respeitar o mistério do outro é sempre um bom caminho para nos manter abertos às surpresas que ele pode nos apresentar. O ideal seria se pudéssemos estar constantemente reavaliando nossas percepções, para elaborar novas concepções.

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