Por que busco relacionamentos problemáticos?

Minha filha está me dando dor-de-cabeça. Ela está se relacionando com um sujeito que sempre está com problemas na polícia – inclusive já teve passagem por tráfico. Ela não me ouve e diz que faz o que quiser da vida dela. Por que ela insiste num relacionamentos como esse?  Eleonora, Cuiabá (MT)

A história relatada na carta de nossa leitora, infelizmente, não é um caso isolado. É muito comum que as pessoas busquem algum tipo de relacionamento que cedo ou tarde acaba se revelando prejudicial.

Centenas de romances e filmes retratam essa situação, às vezes com tintas dramáticas, como no famoso “Inimigo em casa” (Domestic disturbance, 2001). Neste filme, a mãe separada do marido (John Travolta) se envolve com um psicopata assassino que a agride fisicamente e é “salva” pelo filho com a ajuda do ex-marido.

O crítico Rodrigo Cunha, ao fazer uma resenha do filme escreve: “Um suspense clichê com tantos absurdos na história que fica difícil não sentir raiva do filme”. Se ele fosse psicanalista, perceberia que a história não é tão absurda, embora seja difícil não concordar quanto ao sentimento de raiva quando temos que assistir a esse tipo de “filme” na vida real.

Anos atrás (1996), foi publicado um livro intitulado: Mulheres inteligentes, escolhas insensatas (Editora Rocco). O título diz claramente que não existe uma relação direta entre a razão e as escolhas que envolvem o mundo emocional.

As escolhas amorosas são muitas vezes “insensatas”, pois elas não são regidas pelo bom senso e independem do quociente intelectual da pessoa. Onde o título erra é no fato que esse não é apenas um problema das mulheres. Os homens também fazem escolhas insensatas.

Mas, até que ponto podemos falar em “escolhas”, sendo que, na realidade, mais do que escolher essas pessoas perecem ser “escolhidas” por relacionamentos complicados e difíceis? Ouvindo centenas de histórias no consultório é fácil perceber que muitas pessoas parecem ser “induzidas” por uma força interna misteriosa a fazer as escolhas erradas, sobretudo no campo da vida amorosa.

Mais uma vez, estamos nos deparando com um mecanismo psíquico misterioso. O seu funcionamento não é regido pelo “princípio do prazer” e sim por uma espécie de compulsão instintiva que parece visar a autopunição e a auto-sabotagem.

Embora haja algum tipo de “compensação” imediata, superficial e passageira, que em psicanálise é chamada de “ganho secundário”, é evidente que, a médio e longo prazo, o relacionamento está fadado ao fracasso. O que prevalece não é o prazer de estar com o outro e sim a frustração e angústia causadas pela falta de perspectivas.

Para entender esse curioso funcionamento psíquico é necessário vasculhar a história primitiva dos “relacionamentos amorosas” da pessoa envolvida. Mesmo quando não encontramos motivos para achar que a pessoa sofreu traumas na infância, cedo ou tarde, o processo de análise mostra que ela viveu algum tipo de experiência emocional aversiva.

Tais experiências, na maioria dos casos, independem das reais intenções maternas ou paternas, em geral boas. Trata-se de situações aversivas que, muitas vezes, os próprios pais viveram “sem perceber”, de forma inconsciente e que, por um processo de troca intersubjetiva, foram “percebidas” inconscientemente pela criança.

Para a nossa mente uma situação “inesperada” que gera angústia tende a se tornar enigmática. O enigma é carregado de uma enorme força de atração psíquica que age sobre o nosso mundo interno instintivo. Ele gera uma força compulsiva que nos atrai e nos leva a “voltar” para situações afetivas parecidas que “recriem” a cena inicial, que disparou a angústia primitiva.

Se as relações iniciais foram “percebidas” pelo inconsciente como sendo insatisfatórias, ele procurará revivê-las através de relações que também são insatisfatórias.

A força da compulsão instintiva é muito angustiante para quem sofre desse problema. Ao mesmo tempo a necessidade de voltar a viver sempre a mesma situação cega e impede o à pessoa de poder “pensar” a situação de forma diferente, lógica e conseqüente.

O que fazer diante desse tipo de comportamento quando envolve pessoas que amamos? Em primeiro lugar, é importante segurar a raiva. A pessoa já está sofrendo o bastante sem que acrescentemos mais sofrimento com o nosso “julgamento”. É necessário escolher bem os momentos e as palavras para poder apontar situações “estranhas” e prejudiciais que parecem não ser percebidas pelos interessados.

Em muitos casos, contudo, ficamos impotentes, assistindo esses processos de auto-sabotagem, sem poder fazer {jcomments on}nada a não ser tentando encaminhar a pessoa para o cuidado profissional de um terapeuta.

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