O mito de Eros: do desejo à falta

O mito do nascimento de Eros, descrito por Platão, é extremamente interessante para nos ajudar a entender como desejo e falta estão interligados. Eros nasce de uma noite de amor entre Póros, que acaba de sair de uma festa completamente bêbado, e Penía, uma mendiga que, fascinada pela sua beleza, resolve fazer um filho com ele.

O mito, nascido na Grécia antiga, nos mostra que qualquer desejo vem sempre acompanhado do traço genético de Penía (que significa falta). O desejo remete à falta, pois é nela que se origina e nela que desemboca quando se esvai no gozo, na fruição plena de um determinado objeto (pessoa, coisa ou situação).

O gozo é sempre acompanhado da falta, de uma sensação de morte: um estado de suspensão, onde o “movimento” desejante é zerado, resultando em um estado estático de morte psíquica.

Em uma de suas últimas edições, a revista Veja traz uma análise sobre o cidadão comum, que não é milionário e nem pobre, que supostamente frui de uma situação estável, obtida de forma honesta, através do seu trabalho.

O nível de expectativa desse cidadão seria, de acordo com o artigo, “zero”, pois nada lhe é oferecido pelo Estado. O colunista conclui , não sem uma ponta de ironia, que, pelo fato dele não ser um “sem qualquer coisa” (uma alusão aos movimentos populares dos sem terra, sem teto, etc.), não é alvo dos interesses do Estado. Ninguém olha para ele.

Indo além das possíveis análises sociológicas e políticas que o artigo poderia sugerir, quero apenas olhar para esse cidadão, aparentemente sem “falta”, e portanto sem desejo, em relação ao Estado.

Talvez o articulista sugira a criação do MSF, Movimento dos Sem Falta, mas temo que isso não seja viável, pois o cidadão comum se vê reduzido a viver um estado de apatia, de isolamento, de alienação política, onde a sua estrutura “desejante” é quase zero em termos políticos, reduzida apenas a uma busca desesperada de estados de “gozo” temporário através da fuga para o consumo de sempre novos produtos, oferecidos pelos diferentes mercados, inclusive o mercado político.

Sobrará energia psíquica para que os bêbados do consumo possam novamente se deitar com Pênia e gerar Eros? Talvez isso somente seja possível quando aumentar a percepção de que toda “falta” no tecido social não deixa de ser também uma falta que, em algum momento, vai nos envolver de alguma forma, nos convocando para o desejo de “mudar” realmente o que está aí e não apenas de “comprar” um produto político, embrulhado para o consumo.

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