O medo me paralisa e agora?
Uma das expressões mais comuns do medo ao qual se refere a pergunta do nosso leitor é a síndrome do pânico, uma doença cada vez mais presente nas queixas dos pacientes atendidos por médicos e psicólogos. Mas que medo é esse que paralisa, fazendo com que o indivíduo se retraia para as profundezas da sua angústia, capturado por uma sensação profunda de paralisia e de morte (geralmente a falta de ar que acompanha as crises mais intensas dá a sensação de um iminente colapso cardíaco-respiratório)?
A pergunta não identifica de que medo se trata. A síndrome do pânico é provocada pelas mais variadas situações, gerando o que Freud chamava de fobias. O agente “disparador” pode ser qualquer situação que aponte para a “perda do controle”. Multidão, ambiente fechado sem saídas à vista, escuridão profunda da noite, túneis, meios de transporte públicos (avião, ônibus, trem, metrô) sobre os quais o passageiro não tem controle, pois depende da experiência e habilidade de um “condutor”, são apenas alguns dos exemplos mais comuns de “gatilhos” externos que disparam a crise do pânico.
Falo em gatilhos, pois o verdadeiro motivo do medo não está na situação externa escolhida pelo inconsciente para disparar a crise e sim em um motivo mais profundo, não acessível à consciência do indivíduo afetado pela síndrome.
É curioso como a própria pergunta do nosso leitor evite identificar um “objeto” para esse medo, não é um medo de algo e sim simplesmente um medo sem objeto visível. Evidentemente, dada a intensidade dos sintomas envolvidos, não se trata de um medo qualquer. Trata-se de um “significante enigmático”, ainda mais assustador justamente por ser enigmático, sem rosto, sem nome.
Freud classificava as fobias entre os sintomas relacionados a defesas do psiquismo contra situações que despertam sentimento intenso de angústia por estarem relacionadas a experiências traumáticas (imaginárias ou reais) do passado. O verdadeiro objeto do medo é desconhecido, recalcado nas profundezas do inconsciente, por isso o psiquismo escolhe um objeto disponível no mundo real para transferir nele a intensidade dos sentimentos de angústia relacionados ao verdadeiro objeto “assustador” não acessível para a consciência.
Diante de situações que são particularmente “assustadoras” e “ameaçadoras”, a mente se defende. Um primeiro movimento leva a “esquecer”, desligar da memória consciente aquilo que tanto assusta. Isso contudo não consegue “desligar” dentro do indivíduo afetado os “sentimentos”, cuja intensidade pede caminho para poder ser “descarregada” em algum objeto do mundo externo, escolhido geralmente de forma associativa, por lembrar de alguma forma a situação inicial “esquecida”.
Isto pode resultar em um sentimento de angústia por sentir-se preso na multidão, no caso por exemplo de pessoas que estão presas a situações conflitivas das quais não conseguem se libertar (casamento, profissão, etc.), ou à mercê de alguém não confiável (tipo o piloto de um avião), no caso de alguém que por exemplo se viu preso a pais “não confiáveis”.
Nem sempre contudo é possível remontar a situações iniciais traumáticas definidas. Neste caso estamos lidando com fantasias primitivas de épocas em que o psiquismo ainda não estava aparelhado para “identificar” no mundo externo o que o incomodava. Trata-se das angustias inomináveis do bebê, termo cunhado pelo pediatra e psicanalista Winnicott para descrever estados altamente aflitivos vividos pelo bebê, sem que ele ainda possa “representar” dentro de si o que o está assustando. Estas angústias primitivas remetem a algo que podemos descrever como uma nebulosa sensação de não existência, o pai de todos os medos.