Monstro
(C) Andréia Graciano
Uma análise do filme Monstro (Netflix) inspirada no livro de Fabio Herrmann: O que é Psicanálise- para iniciantes ou não.
O filme Monstro termina com o personagem Steve Harmon questionando: “Garoto, homem, humano, monstro. O que você vê quando olha pra mim?”.
O psicanalista Fabio Herrmann começa seu livro apresentando três partes do caminho para se tornar um psicanalista:
- Perceber que os seres humanos são pessoas muito estranhas e absurdas;
- Aprender o método, a teoria e a técnica psicanalíticos;
- Descobrir que você também é uma pessoa estranha e absurda.
“Garoto, homem, humano, monstro” de Harmon e o “estranho e absurdo” de Herrmann parecem conversar entre si e foi esta a ligação entre os conteúdos do filme (que não achei um bom filme – para o meu tipo de gosto -, mas se tornou útil para esta reflexão) e as ideias que o livro me trouxe (quanto ao livro, achei muito bom…).
Herrmann começa trazendo uma concepção do mundo como uma construção: “a casa do homem – (…) os homens têm passado seu tempo tentando construir uma casa para si”. Porém, o céu é muito alto, o tempo é muito longo e as guerras são frequentes. Espaço e tempo são infinitos e os homens têm uma aspiração em desacordo com seu tamanho, duração de vida e os riscos presentes.
O material primordial desta construção se chama Desejo.
Desejo é o que faz com que se pense, faça e seja. Somos o que desejamos ser. A humanidade constrói-se e constrói o seu mundo de acordo com seu desejo.
Conversando sobre o filme com uma amiga, ela me disse: “O desejo usa o medo como escudo pela falta de coragem de assumir o que se deseja.”.
O fato é que para tal empreitada de edificação, o homem domestica o mundo e se maravilha com a construção de acordo com seu desejo, mas também se irrita porque seu desejo exprime tanto o que gosta como o que odeia – “a esta última parte de seu desejo chama de desumana, diz que não é dele, que é um resto que deve ainda ser dominado.”.
Sendo assim, simultaneamente ao processo de construção do mundo pelo desejo, quanto mais domesticado e familiar o mundo vai se tornando, mais estranho e desumano parece.
O momento atual possui um projeto dominante que constrói o mundo à medida humana pela civilização tecnológica – “As máquinas funcionam hoje quase como gente, as pessoas quase como máquinas.”.
A casa humana atual rompeu com a natureza (se afastando dela – pense em uma criança que não conhece frutas, árvores e animais porque nunca teve contato direto com a natureza) e passou a fabricar excessivamente a vida cotidiana.
O resultado desta combinação é que, apesar da casa do mundo ser construída pelo homem, ele mesmo não se sente confortável na casa que criou. O retrato que vê do mundo é absurdo.
O jovem Harmon fotografava o seu mundo ao redor, mas não tinha uma história impactante, propriamente sua, para contar. Os filmes e a arte em geral são feitos de histórias interessantes para contar.
Foi o que ele ouviu do professor de artes. “Qual a história? Onde está a narrativa? Você precisa de conflito, de um incidente inicial…é mais que ser bonito ou chocante, é preciso emocionar… Um filme é uma série de imagens selecionadas com início, meio e fim… Por que os artistas fazem filmes? É porque os artistas têm uma história pra contar…Você não tem escolha porque dói mantê-la guardada. Você sofre com o desejo de escrevê-la, filmá-la e compartilhá-la.”. Harmon interrompe o discurso do professor e pergunta: “E se você não sentir isso?”. O professor responde: “Aí, você não encontrou a história.”. O sinal toca e a história de Steve começa acontecer.
Harmon “criou” a sua…
De forma desastrosa, inconsequente e contra toda educação da sua família (domesticação)
Pode-se dizer que inconscientemente, ele se pôs diante de seu “monstro” para ser e fazer algo de si.
A Psicanálise nasce desse inexplicável e intratável desejo que é uma espécie de sombra, feita de irracionalidade nas relações entre as pessoas e irrealidade no cotidiano. Este produto não racional é chamado por Herrmann de loucura.
A psicanálise visa elucidar esta loucura. A loucura do dia a dia que é intratável, inexplicável e absurda.
O método interpretativo psicanalítico abarca os sonhos, as sombras, as emoções, as loucuras e busca revelar o desconhecimento do próprio desejo do ser humano que cria o que quer e o que não quer, sendo, portanto, absurdo para si mesmo.
Por fim, o personagem do filme era um garoto, um homem, um ser humano e um monstro como todos nós somos…estranhos e absurdos.
Andréia Graciano