Um lugar qualquer

O filme Um lugar qualquer (Somewhere) de Sofia Coppola pode ser objeto de diferentes leituras; A crítica aponta certa semelhança com o filme anterior da mesma diretora, Encontros e desencontros, e os mais cáusticos chegam a afirmar que na realidade Sofia Coppola está sempre às voltas do mesmo tema – no qual não faltam traços autobiográficos – filmando-o de várias maneiras. Há também quem lamente o pouco envolvimento da câmera com o mundo interior dos personagens, como se a diretora convidasse o espectador a ser um observador distante, dando a sensação de que se trata de um filme sem história. De qualquer maneira, apesar das críticas, Coppola ganhou o Leão de Ouro, o cobiçado prêmio do Festival de Cinema de Veneza.

Sem aprofundar os aspectos técnicos do filme, quero propor uma leitura que permita um olhar mais atento aos detalhes psicológicos da história. Não sei se essa foi a intenção de Sofia Coppola (muitas vezes os autores se surpreendem com aquilo que os outros conseguem ver em suas obras, sem que eles nunca tenham pensado nisso), mas o filme pode ser visto como uma metáfora sobre a solidão do homem (e da mulher) contemporâneo.

O glamour que envolve a vida do astro de Hollywood Jonny, o protagonista do filme interpretado por Stephen Dorff, pode ser visto como uma tentativa de representar de forma paradoxal e emblemática o vazio existencial que não pode ser preenchido pelo sucesso, pelo dinheiro, pelas festas, pelas belas mulheres que se oferecem sem reservas no sofisticado ambiente de um dos mais conhecidos hotéis de Los Angeles (onde por sinal a própria Sofia Coppola morou por um tempo), Chateau Marmont ou na luxuosa suíte com piscina do sofisticado Principe di Savna de Milão.

O tempo parece estar parado no silêncio do quarto vazio, onde os barulhos provenientes da rua e dos quartos vizinhos, palco de intermináveis festas regadas a bebida, belos corpos expostos e droga, são apenas ilusórios apelos de uma vida distante, quase irreal. Aliás, o sentimento de irrealidade marca a vida do protagonista, onde tudo parece superficial, fictício e falso. As perguntas vazias dos repórteres, as relações superficiais e interesseiras, as premiações e as intermináveis voltas na Ferrari preta apenas reforçam a sensação de falta de sentido que leva Jonny a dizer, em determinado ponto do filme: “Eu sou nada!”. Apesar de quase tudo estar ao alcance do imaginário, nada pode ser realmente “erotizado”, investido, pois tudo carece de realidade.

A percepção do nada, antes tão normal e passivamente aceita, se dá somente após um momento em que o protagonista vive intensos instantes de afeto com a filha Cléo, de onze anos. Com ela o contraste entre o que é real e o que é mera ilusão se torna explícito, levando para o desfecho surpreendente do filme. Provavelmente o único “final” possível, em que Jonny “desliga” os símbolos do seu aparente sucesso e encara a estrada vazia e solitária no meio do deserto.

Embora não sejamos astros de Hollywood, talvez possamos nos identificar com Jonny e nos solidarizar com sua dor, que escorre lenta no meio de um mundo luxuoso e sofisticado, certamente bem distante do mundo no qual a maioria de nós vive.

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