Excesso de realidade

Talvez a sensação que melhor define o início desse novo ano seja “excesso de realidade”. A cascata de escândalos políticos envolvendo todas as instâncias e os maiores partidos que disputam o cenário político brasileiro foi quase levada pela enxurrada de lama e de minérios que destruíram a região do Rio Doce, num cenário apocalíptico que se estende por 800 Km e que já alcançou o oceano Atlântico, semeando morte e destruição. Mas isso não é tudo: para os que ainda ousam ter esperança e pôr um filho nesse mundo perturbado, o Zika vírus vem alertar que não é uma boa ideia, os nosso bebês antes mesmo de nascer já são ameaçados pela doença: poderão nascer com microcefalia, aleijados na sua capacidade cerebral.

Para aqueles que olham para além de nossas fronteiras, em busca da  terra prometida, os cenários também não são reconfortantes. Atentados, desastres naturais, longas filas de migrantes, guerra e destruição assolam a Europa, a África, o Oriente Médio, o Oriente e os EUA. O sonho de uma Europa unida sem guerras e sem barreiras está ameaçado com o efeito Brexit e o consolidar-se dos movimentos nacionalistas de direita.O excesso de realidade parece ser uma característica de 2016, nos desafiando para tentar ganhar alguma “perspectiva”, algum distanciamento que nos permita “imaginar” o futuro, em um contexto em que nossa capacidade imaginativa parece seriamente comprometida.

Um psicanalista brasileiro Joel Birman, alerta: o homem contemporâneo saiu do desamparo, marca registrada da modernidade, para cair em um estado de dor mortífero, que o condena a viver em um espaço congelado pela falta da perspectiva temporal e do desejo (cf. O sujeito na contemporaneidade). A fuga na realidade virtual proporcionada pelas diferentes geringonças eletrônicas não nos poupa de adentrar o “deserto do real”, a realidade sem perspectiva. O enorme aumento dos casos de depressão e o recurso indiscriminado à medicação com uso de psicotrópicos confirmam essa leitura.

Capturado por uma aceleração do tempo que dá a sensação que o tempo não somente encurtou, mas até desapareceu, o homem contemporâneo fica à mercê dos espaço vazio de um faz de conta ilusório.

Talvez o desafio para 2016 seja justamente esse: resgatar o tempo, para reintroduzir a capacidade de desejar e sonhar, aceitando o nosso desamparo essencial, que nos expõe ao sofrimento, que pode ser vivido na presença do outro, sem nos deixar cair no abismo da dor solitária.

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