Novos imperativos sociais

Os novos imperativos sociais
Gostaria que falasse um pouco sobre estereótipos e rótulos. A sociedade é preconceituosa e julga o outro o tempo inteiro. Gabriel Garcia dos Santos – Campinas (SP)

A pergunta é de extrema importância. A partir de um mal-estar que parece típico da nossa época, a psicanálise enfrenta questões novas que diferenciam de alguma forma os sintomas e a patologia do homem contemporâneo daqueles da época de Freud.

Artigos e livros publicados recentemente têm mostrado um grande interesse pelas questões que envolvem esse olhar que pesa sobre todos nós e que nos julga a partir de “estereótipos e rótulos”, que geram um mal-estar psíquico envolvendo estados depressivos profundos, síndromes de pânico e fobias, estados maníaco-depressivos, melancolia aguda ou sintomatologias que beiram a perversão.

Algo mudou? Apesar do ser humano ser essencialmente o mesmo e apesar de continuarem válidas as grandes descobertas da psicanálise sobre o desenvolvimento psíquico, seu dinamismo e a descrição dos elementos que o constituem, a prática clínica mostra que algo mudou.

Um dos aspectos mais chamativos da sociedade atual é a inflação de informações e de sugestões de consumo que vêm da mídia e que nos bombardeiam no dia-a-dia, convidando-nos a fazer isso, comprar aquilo, usar tal coisa, fazer tal viagem, etc. Quando eu era criança, na Itália não havia outdoors. Os únicos apelos vinham dos slogans que ainda estavam gravados nas paredes externas de alguns edifícios, herança de época fascista (algo parecido aconteceu no Brasil durante a ditadura militar), encorajando a população a fazer isso ou aquilo. Na época do nazi-fascismo, de fato, houve um primeiro grande bombardeio de slogans publicitários, que visavam transmitir pequenas mensagens, repetidas infinitas vezes em jornais, revistas, no rádio, nas falas do dia-a-dia, que tinham a função de fixar em palavras um pensamento que não precisava ser pensado. O slogan já pensava por si só, se impondo à mente como um imperativo categórico que não podia ser questionado. Questioná-lo, aliás, podia custar a perda da liberdade ou até a vida.

Inicia-se com isso um grande deslocamento. Os ditames e as regras, socialmente aceitos e até então transmitidos de geração em geração através da família, sobretudo na pessoa do pai que os impunha como formas do bem viver em sociedade, são substituídos por outros ditames, os slogans publicitários.

Enquanto as “regras” do bem viver social representavam, nos tempos de Freud, uma ética que exaltava o valor da autoridade, da disciplina, do trabalho e do sacrifício (dos próprios desejos tidos como perigosos e supérfluos) em prol das necessidade de produção da sociedade pré-industrial, aos poucos as coisas foram mudando. A necessidade e o dever são substituídos pelo desejo.

Hoje os imperativos sociais estimulam para o consumo desenfreado. Nenhum bem satisfaz o desejo do homem contemporâneo, pois todo objeto do desejo é imediatamente substituído por outro mais moderno, mais funcional, mas bonito, mais elegante, mais na moda. Os slogans de antigamente são hoje substituídos por um verdadeiro espetáculo de imagens, sons e palavras, que nos ditam os novos imperativos do bem-viver social. Não somente eles são esvaziados de todo pensamento, como no passado, mas se constituem em um espetáculo de formas, sons e imagens. A estética do próprio apelo tornou-se, enquanto mensagem, mais importante que o seu próprio conteúdo,

O resultado é uma sensação constante de impotência, já que nenhum esforço consegue alcançar o seu propósito, pois logo que o alcança, o objeto desejado já se transformou, adquirindo as formas de um novo objeto, ausente, que representa uma nova meta de consumo a ser alcançada.

A sensação de impotência gera estados depressivos profundos, caracterizados pela impossibilidade de alcançar o objeto do desejo no tempo exigido por um mundo cada vez mais rápido e volúvel. O novo imperativo social é consumir sem fim. Aprisionado nessa rede, o homem contemporâneo, quando consegue escapar da depressão, cai nas malhas da fobia (a síndrome do pânico está na moda), do controle obsessivo das rotinas esvaziadas, ou então nos estados melancólicos, em que o objeto do desejo é sempre fora do alcance, morto ou ausente, perdido em um passado distante ou em um futuro idealizado que nunca vai chegar.

Ao mesmo tempo, o enfraquecimento das noções de disciplina, regras, limites, autoridade, hierarquia, pode favorecer em alguns casos o desenvolvimento de estados de “perversão”, levando a uma sensação de possibilidades infinitas de expansão, resultando na tendência de manipular a realidade e os outros. A corrupção generalizada parece confirmar essa tendência.

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