Filtro bolha, Redes Sociais e capacidade de pensar

Filtro bolha, Redes Sociais e capacidade de pensar
No final dos anos 90 participei de uma entrevista televisiva com o pensador Pierre Levy. Na época o filósofo francês já tinha elaborado uma interessante teoria sobre o que ele defina “As árvores do conhecimento”, preconizando formas de conhecimento e de pensamento mais democráticas e participativas que se desenvolveriam a partir das novas possibilidades oferecidas pela Internet.

A profecia se realizou? Quase 20 anos depois, em um artigo publicado pelo jornal O Globo, o professor Massimo Di Felice, fundador do Centro de Pesquisas Atopos, da Universidade de São Paulo (USP), analisa o papel as Redes Sociais na mobilização de milhões de pessoas nos recentes protestos populares, alegando que tais movimentos expressam na realidade uma insatisfação não apenas com o atual governo, mas com a democracia representativa como um todo, indo além daquilo que a mídia tradicional (TV, rádio e jornais e revistas e seus respectivos sites) tende a divulgar, criando recortes que podem levar a leituras parciais e tendenciosas. Até que ponto as Redes Sociais conseguem de fato se contrapor a essa manipulação da informação que geralmente é atrelada a interesses de parcelas específicas da sociedade?

Para Di Felice, o net-ativismo funciona de forma hibrida, sendo ainda influenciado pelos meios de comunicação “oficiais”. No entanto, o pesquisador vê nas Redes Sociais o surgir de uma forma de participação popular que foge dos canais convencionais da democracia representativa (partidos) e que se expressa em uma forma participativa popular não organizada e ideologicamente não definida. Uma possível evolução desse movimento poderia levar a uma participação popular mais direta, que poderia mexer com a forma como atualmente é concebida a democracia baseada na eleição de representantes partidários.

Em contrapartida, outro artigo, publicado no site Nexo sob o título “O que acontece quando você só vê opiniões parecidas com as suas”, nos deixa menos otimistas quanto à função  da Internet na construção do conhecimento. O artigo de fato alerta sobre um mecanismo usado pelas Redes Sociais, denominado “filter bubble” (filtro bolha). Para agradar seus usuários e fazer com que eles se comuniquem com outros usuários que potencialmente possam “curtir” ou “compartilhar” seus posts, os programadores desenvolveram algoritmos destinados a fazer com que o usuário da Rede Social se relacione preferencialmente com os usuários que demonstram ter seus mesmos interesses. Pesquisadores norte-americanos constataram que isso leva inexoravelmente a fazer com que as opiniões nas Redes Sociais tendam a ser cada vez mais polarizadas e parciais.

Para tornar o processo ainda mais complexo, o nosso funcionamento mental pode não ajudar nesse sentido. A tendência natural é de buscar situações que nos proporcionem uma sensação de gozo e não de frustração (por isso foi desenvolvido o filtro bolha). Acessar opiniões contrárias provoca o oposto disso: uma sensação de frustração e de raiva. Para que o pensamento se desenvolva e permita uma aproximação menos “psicotizante” da realidade, precisamos poder suportar essa frustração e a temporária desorientação que isso produz em nossa mente. É evidente que esse processo não é espontâneo. Exige certa maturidade emocional e capacidade de diálogo com os que pensam diferente de nós. Algo bastante raro hoje.

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