A anormalidade “normal”

Alguns fatos que marcaram o cenário nacional e internacional, bem como o contato com os conflitos psíquicos que emergem na clínica psicanalítica, levam a questionar o que pode ser considerado “normal”.

Podemos definir a normalidade a partir de diferentes “pontos para ver” a questão. Alguns consideram normal o que está em harmonia com uma norma, seja ela ética, moral, natural, social, econômica, religiosa, etc. Obviamente, dependendo da fonte normativa, a normalidade muda.

Para um sudanês é “normal” condenar à morte uma mulher porque desistiu de aderir ao islamismo. Para quem opera no mercado financeiro, é “normal” procurar o maior lucro, mesmo que isso prejudique milhões de pessoas, como aconteceu anos atrás, causando uma crise econômica mundial. Para o político, é “normal” trabalhar com conchavos e acordos escusos para garantir a sua permanência no podeIsto nos leva a uma segunda visão da normalidade: normal é o que funciona, ou então ao terceiro ponto para ver a normalidade: normal é o que a maioria faz (No meu livro A psicanálise cura?, trato com miais profundidade desse tema).

Para os moradores do Recife, aparentou ser normal saquear as lojas, já que todos estavam fazendo isso. Aparentemente baseados na “norma” do discurso marxista, os “sem” terra ou os “sem” teto, invadem propriedades alheias, supondo que eles têm mais direito que os outros de terem direitos, afinal não é esta a normalidade que sustenta o discurso de governantes e capitalistas inescrupulosos, alegando que isso é “normal”?

Hoje estamos vivendo uma desqualificação cada vez maior da “normalidade” baseada em alguma norma ou consenso social, para darmos preferência ao que “funciona” ou ao padrão de anormalidade da maioria. Tudo isso leva a um progressivo desligamento da normalidade que leva em conta o “princípio de realidade”. Normal, neste sentido, é aquilo que se adéqua à realidade, que a leva em conta, que é sustentável.

Creio que este último critério seja o que mais está em crise hoje, pois a sociedade de consumo e o capitalismo desenfreado nos levam a acreditar que a realidade é submissa ao nosso desejo, manipulável, tendo em vista o gozo pessoal ou de um grupo. É difícil acreditar que um convívio social desse tipo seja sustentável.

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