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Devemos falar sobre a morte com quem está morrendo?

Na minha família, há uma pessoa que está com uma doença que com certeza o levará à morte. Os médicos já avisaram a família sobre isso. Contudo, meus parentes estão discutindo se o doente deve ou não saber. Alguns acham que a notícia da morte poderia causar mais transtorno para o paciente. Outros, contudo, acham que é direito dele de saber. Sinceramente, estou em dúvida. Psicologicamente seria bom para ele falar sobre isso? Não pioraria o estado? — Parente desesperado do interior do Paraná

Devemos dizer para o doente que está morrendo

A morte não é apenas uma fatalidade, um acaso inesperado, mas está inscrita na própria essência da vida. Um famoso filósofo alemão, Heidegger, dizia, que o ser humano pode ser caracterizado como “ser para a morte”. A morte de fato percorre a existência humana na dramática experiência da limitação, da falta de autenticidade e da inevitabilidade do próprio existir (o fato de sentirmos como que lançados nesse mundo). Portanto, faz parte do nosso desenvolvimento poder integrar o “pensamento” da morte para que ele possa ser pensado.

Infelizmente, como já escrevi em um outro artigo, a morte foi excluída do imaginário do homem contemporâneo. Os velórios, os enterros, as visitas ao cemitério, os cortejos fúnebres, tornam-se cada vez mais eventos “privados”. A morte é ocultada, tornou-se uma palavra inominável, quase algo vergonhoso, uma fraqueza, como se o nosso destino fosse viver para sempre. Como se apenas os fracos morressem. A morte é sempre pensada como a morte do outro, jamais como a nossa própria morte.

È fácil portanto compreender que, nesse contexto, fica difícil falar sobre a morte, mesmo com alguém que está próximo a viver essa experiência. Existem muitas discussões, sobretudo na área médica, sobre o “direito do paciente de saber” sua real condição, mesmo quando esta envolve a morte próxima.

Apesar dos esforços feitos para “ocultar” a morte a um paciente em estado terminal, ela acaba rondando o seu leito, penetrando os silêncios, os olhares, as reticências, como algo que não pode ser nomeado, um evento cujo significado é impenetrável. No plano inconsciente, este ocultamento é percebido e “sentido” pelo paciente como algo ainda mais terrível e doloroso, justamente pelo seu caráter enigmático. É como se o doente estivesse em um quarto obscuro no qual ninguém quer acender a luz por medo que ele fique assustado com o que verá…. A angústia de estar no escuro é ainda mais terrível, pois a escuridão é habitada por todo tipo de fantasma, sobretudo pelos fantasmas sem rosto, dos quais brotam as agonias impensáveis.   Quem desejaria isso para si?

Morrer é mais  uma forma de nos apropriar de nós mesmos e da vida. Isto se torna claro sobretudo no suicídio, que, em alguns casos, é uma última tentativa desesperada de estár vivos.

Por ser um mistério, a morte tem em si algo sagrado que não pode ser banalizado. Ela é encarada de forma diferente por cada ser humano, de acordo com a sua capacidade de aceitar o mistério e de acordo com as suas crenças. A fé pode amenizar esse momento, imprimindo à morte um movimento de esperança, um caráter de passagem e não de fim absoluto. A forma de abordar essa questão com quem está se aproximando dela deverá ser portanto cuidadosa, dando atenção àquilo que o paciente pode entender e suportar naquele momento.

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