Duvido portanto existo

Duvido portanto existo
As dúvidas, muitas vezes geram reações de pânico por pensarmos apenas no lado negativo delas. Até que ponto ter dúvidas pode ajudar o ser humano a viver melhor?

Duvido, portanto existo…

 

{jcomments on}A sabedoria popular diz que somente os burros nunca duvidam. Duvidar parece ser essencial para o exercício do pensamento. Isto nos leva a supor que, via de regra, o processo que nos leva a duvidar é necessário e absolutamente normal. No entanto, como na maioria dos casos que envolvem os processos psíquicos, tudo depende da intensidade e da frequência com a qual a dúvida se instala em nossa mente e da forma como o psiquismo reage diante dela.

O processo de pensar nos leva a “processar” mentalmente os estímulos que surgem tanto a partir do nosso mundo interno (sentimentos, afetos, memórias, inibições, etc.), como a partir da realidade externa que envolve situações, pessoas, notícias, variações ambientais de todo tipo, etc. Cabe à nossa mente processar as informações que se apresentam de forma confusa e, muitas vezes conflitante, para que possamos nos situar diante de nós mesmos, dos outros e do mundo como um todo.

A dúvida se instala justamente a partir do conflito que a mente vive e que impede o fluir harmonioso do processo de “pensar”. É como se o nosso psiquismo se deparasse com um cruzamento, cheio de placas indicadoras, cujo sentido é confuso e contraditório. Se uma placa aponta para o nosso destino, outra diz que logo à frente, nessa direção, vamos nos defrontar com uma barreira ou uma ponte caída. Seguindo pelo lado oposto a sensação do viajante é que ele se desviaria do caminho e acabaria se perdendo.

Nesta situação paradoxal, o nosso psiquismo fica parado diante do cruzamento, sem poder seguir sua viagem (ou seja o fluxo do pensamento), angustiado e irritado pelas buzinas da vida (cobranças externas e internas para fazer isso ou aquilo) que o compelem a prosseguir, independentemente de suas dúvidas. Parar no acostamento parece ser a única solução, embora isso seja percebido como algo que nos atrasa, sem contar o risco de que as rodas do nosso psiquismo fiquem presas no terreno barrento da paralisia.

A analogia nos permite entender o quanto a dúvida seja angustiante, pois ela introduz na nossa mente uma sensação de confusão e paralisa o nosso pensamento que começa a andar em círculos voltando sempre ao ponto de partida, sem possibilidades de avanço.

Mas em que sentido então a dúvida é necessária? Ao introduzir aquilo que o psicanalista inglês Bion chamava de turbulência emocional, a dúvida, se devidamente “suportada” pela mente no seu caráter frustrante, gera a possibilidade de uma nova concepção das coisas. Ao desconstruir os caminhos conhecidos, ela inaugura a possibilidade de ousar o desconhecido. Ao suportar o impacto frustrante da realidade, percebida como algo totalmente “diferente”, “fora” do nosso alcance, a mente se abre para o tateamento necessário para a descoberta de novos caminhos. Neste caso o pensamento não se interrompe, mas transforma os pensamentos que não podem ser pensados em algo pensável.

Vamos fazer um exemplo. Um rapaz gosta de uma moça, mas está em dúvida se deve ou não casar com ela. Inicialmente as placas indicadoras sinalizam apenas dois caminhos, “casar” ou “não casar”. A dúvida é angustiante, o rapaz não sabe o que fazer, A namorada o pressiona para se decidir, ameaçando abandoná-lo. Algo dentro dele o pressiona a não precipitar as coisas, embora ele goste da moça e não queira perdê-la.

Escutando a si mesmo ele decide suportar as pressões e “espera”, acolhendo a sua dúvida. Aos poucos, ele percebe que o problema não é casar ou não casar. O que o segura é a percepção de sua imaturidade; Ele precisa se aprimorar profissionalmente e humanamente e então casar com a moça caso ela decida esperá-lo. Surge um novo caminho, que, inicialmente, ele não tinha pensado. Caberá agora à moça acolher a sua decisão e demonstrar até que ponto vai o seu amor.

Naturalmente a dúvida somente é saudável quando se apresenta de vez em quando, de tal forma que o psiquismo consiga suportar o mal-estar que ela causa. Quando se torna um estado permanente no qual a mente se debate, aprisionando o psiquismo em uma sensação de paralisia, estamos diante de uma situação patológica.

A paralisia psíquica é caracterizada por uma situação em que o nosso pensar não consegue pensar nada. Todos os caminhos tentados são sistematicamente atacados e destruídos, fazendo com que o pensamento ande em círculos e condenando assim a pessoa a uma situação de angústia constante.

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