Angustia sem razão

Tem dias que sinto uma angustia, sem explicação. Parece que algo aperta o meu peito, vem uma tristeza sem razão e me dá aquela vontade de ficar sozinha. Gostaria de uma palavra do senhor sobre isso. Vanderléia, Grande SP.

O que chama a minha atenção, não apenas na pergunta de nossa leitora, mas também no encontro diário com meus pacientes, é a alegação de que determinada sensação psíquica é “sem explicação”.

Por que será que o nosso psiquismo acha que uma sensação tão forte e dolorosa como a angústia é injustificada? Seria como se a gente queimasse um dedo e achasse que a dor é sem razão.

Creio que a pergunta, da forma como é formulada, já nos ponha diante de uma armadilha psíquica típica: a desautorização de nossos sentimentos. Sim, por incrível que pareça, o nosso psiquismo tende a achar que o que sentimos é uma mera fantasia.

Na realidade, a angústia, sempre que aparece, tem uma explicação. O primeiro passo portanto é valorizar nossos sentimentos, mesmo quando não conseguimos localizar o motivo exato que os causou.

As rotinas diárias tendem a nos desviar da percepção de nós mesmos, até mesmo da percepção do nosso corpo. Um sinal evidente disso é que, na maioria das vezes, sequer percebemos as mudanças em nossa respiração, que acompanham mudanças importantes em outras funções do nosso corpo e também mudanças emocionais.

O processo da análise tem justamente esse propósito, permitir que entremos em contato com o nosso mundo interno. Mesmo sem estar envolvidos em um processo terapêutico, podemos prestar mais atenção ao que sentimos, às mudanças de humor e tentar detectar que acontecimentos do dia nos perturbaram emocionalmente.

Mas cuidado. Quando faço esse exercício com meus pacientes percebo que a tendência é buscar algo extraordinário, algum fato realmente marcante. Qual é porém a surpresa deles ao perceber que o que motiva as mudanças emocionais são pequenos fatos, aparentemente inócuos e sem importância. Algo está motivando nossos sentimentos, por “inexplicáveis” que eles possam parecer.

Para entender como acontecimentos aparentemente sem importância podem mudar o nosso estado emocional de forma tão intensa, devemos imaginar o nosso mundo inconsciente como uma enorme rede de memórias emocionais, ligadas uma à outra. Todas essas memórias estão associadas a sensações previamente experimentadas, com um grau variável de intensidade, até chegar às mais intensas, às mais dolorosas.

O que forma a rede de lembranças emocionais inconscientes não é um nexo causal. Ou seja, não lembro de um fato porque ele foi provocado por algo que está presente neste momento na minha vida. O processo de ligação das memórias inconscientes é meramente associativo. Uma memória é ligada à outra porque “lembra” uma situação parecida.

Quando algo, aparentemente insignificante, acontece em nosso dia-a-dia, se a sensação experimentada for parecida com uma série de lembranças emocionais de nossa rede interna, a rede toda fica ativada e a carga emocional de toda a rede passa a ser percebida.

Conscientemente, porém, nós percebemos apenas uma sensação intensa de mal-estar, sem saber de onde ela vem, pois a rede de lembranças emocionais, no seu conjunto, continua permanecendo inconsciente.

Para descobrir o conteúdo emocional dessa rede, pode levar tempo e um longo processo de indagação interna, geralmente difícil sem o ajuda de um terapeuta.

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