A Onda

Assisti na semana passada ao filme alemão intitulado “A onda” (Die Welle). Trata-se da reconstrução de fatos reais, envolvendo alunos do segundo grau. O filme é uma adaptação do livro de Todd Strasser, baseado no ensaio “The Third Wave” de Ron Jones, relatando a sua experiência como professor de história no Cubberley High School em Palo Alto, California, em 1967.

Para explicar como os alemães permitiram que Hitler chegasse ao poder, Jones criou, numa semana, uma experiência pedagógica destinada a reproduzir em sala de aula alguns clichês do nazismo, baseados no lema: força através da disciplina, da união, da ação e da coragem.

Uma primeira constatação se impõe desde as seqüências iniciais do filme. A globalização não é apenas um fenômeno de caráter econômico. As cenas descrevendo a vida dos alunos, seus interesses, suas dificuldades e suas frustrações mostram um cenário que, com apenas algumas leves diferenças, poderia ser aquele de uma grande cidade de qualquer outro lugar do mundo ocidental, inclusive do Brasil.

Uma juventude sem ideais, voltada para um consumismo induzido, com um futuro incerto, em busca do prazer fugaz proporcionado pelas experiências efêmeras da droga, do sexo e das festas. A falta de sólidos vínculos familiares repercute na dificuldade de estabelecer vínculos consistentes, que são substituídos por amizades superficiais e namoros incertos. Em suma, prevalece um clima social decadente, onde a democracia se revela uma situação de conforto, extremamente frágil e incerta.

Tudo começa com o desejo do professor Reiner Wenger (Jürgen Vogel) de trazer para os seus desmotivados alunos uma ousada experiência pedagógica que lhes permita vivenciar aquilo que estão aprendendo. O curso de uma semana verte sobre a autocracia. O objetivo de Wenger é que os jovens vivenciem na prática como se deu a ascenção do totalitarismo fascista, através da simulação do surgimento de um movimento autoritário liderado pelo professor.

Com progressão diária, o filme mostra o envolvimento da turma no projeto. Os que resistem ou questionam a experiência são excluídos e, aos poucos, de amigos, passam a ser considerados traidores e inimigos. Escolhido o nome “A Onda” e um símbolo para o movimento, inicia uma rápida expansão, que mostra o envolvimento cada vez mais fanático dos alunos com o grupo. A criação de um uniforme, uma página no myspace e uma saudação de tipo militar contribuem para unir ainda mais os participantes da experiência, fazendo com que, mesmo os mais fracos e tímidos, se sintam parte de algo grandioso e poderoso.

Outros jovens fora da turma são contagiados pelo fervor fanático do grupo, ao mesmo tempo em que se torna mais violenta e discriminatória a rejeição dos que manifestam opiniões contrárias ao movimento.

O dramático desfecho do filme é marcado pela ambigüidade das atitudes do professor que fica dividido entre a sedução da liderança e o bom-senso, enquanto é alertado sobre o fato que o grupo escapou do seu controle. Finalmente, com o precipitar violento dos eventos, ele se vê obrigado e tomar posição, desmascarando veementemente a ideologia totalitária que sustenta o movimento, mostrando aos estudantes que perderam o seu senso crítico diante do poder carismático de um líder e do fanatismo por uma causa.

Slogans, palavras de ordem e a adoração a um suposto “grande líder” se repetem na história da humanidade. As trágicas conseqüências desse fenômeno foram bem conhecidas na Alemanha nazista, na Itália fascista, no chamado ‘socialismo real’ da União Soviética, principalmente no período stalinista, na China com a “revolução cultural” promovida por Mao Tsé Tung, nano Chile, na Argentina e no Brasil com os governos militares, etc.

Trata-se de uma ameaça que ronda a humanidade toda vez que o tecido social e os valores culturais e religiosos se enfraquecem, deixando lugar para uma irracionalidade violenta e tosca. Bastaria pensar nas barbáries cometidas nos Bálcãs em nome do totalitarismo étnico, no fanatismo do terrorismo islâmico ou na própria radicalidade do totalitarismo econômico dos Estados Unidos, disfarçada pela intenção de restabelecer a ordem mundial. Trata-se de fenômenos que infelizmente não envolvem apenas líderes políticos neopopulistas, mas também líderes religiosos de todas as denominações, desde a pregação fanática do pastor do bairro, aos aiatollás do mundo muçulmano. O resultado é sempre algum tipo de violência e exclusão.

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