A dor do outro

Conheço uma senhora de 56 anos de idade que costuma falar de seus problemas e da sua dor e dificilmente coloca em prática os conselhos e sugestões de amigos e parentes. Ela faz tratamento com um psicanalista há muito tempo, toma remédios, não apresenta nenhum tipo de doença física grave, tem todos os seus amigos e familiares à sua volta, mas se diz infeliz. A meu ver existem possibilidades dela viver bem, mas não se sente assim. O que acontece? –B.M., do interior de São Paulo

É bastante comum, ao olhar para a vida de uma outra pessoa, acharmos que os seus problemas são na realidade inexistentes ou pouco importantes. Parece de fato existir um mecanismo que leva o ser humano a não querer olhar para o sofrimento do outro. Além de sofrer, quem sofre acaba também se sentindo excluído, condenado a uma solidão ainda mais cruel, pois os outros parecem não poder olhar para ele, ou, se olham, parecem desaprovar sua dor.

Não é raro, quando alguém nos confia um problema que o faz sofrer, sermos tentados a minimizar o que ele está dizendo, relatando situações dolorosas vividas por outras pessoas, essas sim, realmente trágicas. Ou então, se alguém nos fala do seu problema imediatamente respondemos relatando um problema nosso, dando a impressão que o problema dele não é tão importante se comparado com aquele que acabamos de relatar. Quantas vezes queremos consolar quem amamos e, após ouvir suas queixas dizemos: “Não é nada”…

ara quem está sofrendo, a pior coisa é ver sua dor sendo minimizada ou até ridicularizada. Se a pessoa está se queixando, é porque está “realmente” sofrendo, muito embora seus sofrimentos possam parecer inexistentes para quem escuta.

Saber escutar é uma arte que está caindo em desuso. Parece aliás que muitas vezes as conversas tendem a se tornar uma seqüência de falas desconexas. Cada um dos interlocutores parece estar capturado em seu próprio mundo, incapaz de permitir que o mundo do outro o penetre e desperte algum interesse nele.

Adentrar o mundo do outro é como entrar em um país estrangeiro. De início nos sentimos perdidos, não entendemos direito o idioma, tudo no parece muito estranho, mas, aos poucos, começamos a nos sentir mais familiarizados. As coisas passam a fazer sentido. Da mesma forma, adentrar o mundo interno do outro pode ser extremamente difícil, mas, para quem sabe escutar, aos poucos se descortinam paisagens inesperadas, que nos permitem entender o mundo que o outro habita. Somente quando isso acontece, podemos ousar dizer algo, se for o caso.

Aliás essa é uma outra questão importante. A necessidade compulsiva de dizer algo. Como se o silêncio fosse inadequado, ofensivo. A prática clínica mostra claramente que, na maioria das vezes, o outro está dizendo algo não para ouvir nossa resposta, mas apenas para poder “se ouvir”, na presença do outro. Ouvir a si mesmo na presença do outro não é a mesma coisa que ouvir a si mesmo na solidão. Algo repetido mil vezes em um solilóquio repetitivo, de repente passa a fazer algum sentido, se repetido na presença do outro.

Não posso dizer o que está acontecendo com sua conhecida, mas posso lhe garantir que certamente ela está sofrendo e que precisa falar sobre sua dor.

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