você não vale nada…

Poucas coisas marcam na vida como as palavras dos pais. Elas são marcas indeléveis que podem nos construir ou destruir internamente. Frases como: “Você não vale nada! Você não devia ter nascido! Você não é capaz!” soam para o psiquismo como verdadeiras condenações. Elas nunca deveriam ser pronunciadas, em hipótese alguma.

É claro que, levados pela raiva e á mercê de suas emoções, os pais não se dão conta da gravidade dessas mensagens que minam o self da criança e a sua auto-imagem. Todos nós de fato nos constituímos psiquicamente “na presença” de alguém. O outro é para nós um espelho, que nos ajuda a “sentir” e a criar uma imagem de nós mesmos.

Sem o encontro com o outro, o nosso próprio “existir” fica comprometido. A palavra existir (ex-sistere) de fato sugere um movimento, um sair para fora, que só é possível na presença de alguém que confirma o nosso “vir a ser” no mundo. Na presença do outro nos sentimos valorizados, ou desvalorizados. É como se o nosso ser somente tivesse valor na medida em que ele é reconhecido por alguém que está ali, olhando para nós de forma empática e amorosa. Se o olhar do outro encerrar, ao contrário, indiferença, reprovação e negação do nosso existir, o movimento interno sera de retraimento, ativando os núcleos neuróticos da personalidade, ou, então, pior ainda, de cisão, fragmentação, estilhaçamento, ativando os núcleos psicóticos.

Naturalmente, quanto mais a pessoa que estiver “olhando” para nós for próxima em termos afetivos, mais intensa será a repercussão do seu olhar em nós (um olhar que se expressa em palavras, gestos, silêncios, sorrisos, etc.). Se esse olhar provir de um dos pais então a repercussão terá um caráter ainda mais poderoso e radical.

Para entender melhor a importância que isso tudo tem para o psiquismo e em particular para a constituição da individualidade, do self (si-mesmo em inglês), gostaria de esclarecer esse termo, ao qual estou me referindo e que foi usado frequentemente nesta coluna.

No âmbito da psicanálise não existe uma definição unívoca de self. Os estudiosos o têm abordado de varias maneiras, muitas vezes discordantes. Sem pretender aprofundar essa questão, o que fugiria completamente do propósito do nosso artigo, vamos tentar entender o que quero dizer ao me referir ao self e à importância de sua constituição para o psiquismo.

Na linha daquilo que alguns estudiosos sugerem, acredito que o termo self indique aquela instância interna, própria de cada ser humano, que o constitui como tal marcando os traços essenciais de sua individualidade. O self pode ser considerado como um eixo em torno do qual se constitui a personalidade de cada indivíduo, numa mistura de elementos pessoais, de traços geneticamente e culturalmente transmitidos e pessoalmente elaborados e assimilados no âmbito de um ambiente no qual a pessoa cresceu,

A função de espelho que os pais exercem de forma espontânea ao olhar para criança, ao falar com ela, ao incentivá-la, ao sorrir, ou ao repreendê-la, interfere profundamente na constituição do self. O self se constitui na medida em que a criança se dá conta de ser ela-mesma, de ser um si-mesmo, alguém específico, dotado de formas peculiares, que são essenciais para a manifestação do self, para o seu “estar mundo”.

Quando os pais falham nessa missão, somente um longo processo terapêutico poderá reverter os estragos provocados ao self pelo descaso e pela falta de amor. Um processo que por sua vez somente dera certo se o terapeuta souber “olhar” para o seu paciente com esse amor e essa empatia da qual ele tanto sentiu falta.

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