Categorias
Comportamento

Tenho dificuldade de me impor

Para quem tem dificuldade de se impor a sensação é de estar o tempo todo à mercê do desejo ou da necessidade do outro e das circunstâncias do mundo externo. Quando alguém pede algo, faz uma crítica, lança uma proposta, sugere uma solução ou dá uma ideia, quem tem dificuldade de se impor se sente imediatamente acuado, paralisado. Em alguns casos parece haver até certa dificuldade de “pensar”. O pensamento fica congelado diante do discurso do outro.

Estou descrevendo apenas algumas sensações dolorosas que os que não sabem se impor vivem no seu dia-a-dia, por estar aprisionados em um funcionamento psíquico que os impede de “existir” na presença do outro.

 A psicanálise identificou situações iniciais da vida que desencadeiam esse tipo de funcionamento psíquico. A possibilidade de “existir” (sair de si, sair para fora, vir a ser) e a autorização para ser si mesmo não são automáticas. O ser humano se constitui psiquicamente como sujeito não apenas a partir do seu funcionamento intrapsíquico, mas a partir das interações com o ambiente que o rodeia, sobretudo nos primeiros meses de vida. Quando algo falha nessa interação inicial com o ambiente, pelas razões mais diferentes, as consequências psíquicas são graves e, na maioria dos casos, se prolongam pelo resto da vida.

Neste caso, o processo para se apropriar de si mesmo e se sentir existente pode ser demorado e geralmente exige um suporte terapêutico. Tempo atrás um pai me relatava como foi emocionante pela primeira vez conseguir se impor diante da filha que costumava lhe faltar de respeito. Não somente isto foi bom para ele, mas o mais interessante foi perceber o quanto a filha precisava que ele existisse de verdade, como pai. Apesar de ser um profissional bem sucedido, a impossibilidade de se impor na vida pessoal o tinha levado a situações muito dolorosas e prejudiciais que agora com a terapia estava podendo consertar.

Pode parecer banal, mas existir não é algo que nos é dado pelo simples fato de termos nascido, Uma senhora de mais de sessenta anos, no fim do processo terapêutico, ao receber alta, agradecia: “Obrigado, quando vim aqui eu não existia, agora existo!”.

Em um mundo marcado pelo individualismo, pode parecer estranho falar em dificuldade de existir e de se impor. Basta adentrar o trânsito caótico da cidade para perceber o quanto cada um tenta se impor, ignorando as leis de trânsito e a existência do outro. Isto nos leva a esclarecer a diferença essencial entre o existir e o estar centrados narcisicamente em si mesmos. O aprisionamento narcísico nasce justamente da tentativa de defesa contra um Eu frágil, que precisa se dobrar sobre si mesmo para não se sentir ameaçado pelo ambiente que o rodeia. O fechamento narcísico transmite ao Eu uma sensação de força, necessária para suprir sua fraqueza.

Da mesma forma, contribuem para o fortalecimento do Eu enfraquecido as aquisições de objetos que conferem status. As marcas famosas “emprestam” status e sensação de potência a quem as usa. Roupas, um carro possante, ou outro objeto qualquer podem ser usados inconscientemente para acrescentar valor ao Eu enfraquecido. Neste caso não temos sujeitos que sabem se impor, e sim pessoas que escondem atrás da arrogância do ter sua fragilidade.

Wordpress Social Share Plugin powered by Ultimatelysocial