Tenho vários projetos em mente para a minha vida, mas não consigo nem dar o primeiro passo para colocá-los em prática. Fico sonhando com as minhas próprias idéias e até mesmo vejo-me realizando-as, mas a hora de fazer acontecer não chega. O que será que acontece comigo? – Valéria, de SP.
O processo de “sonhar” é muito importante para a mente humana. Todo ser humano precisa poder sonhar para se sentir vivo. Uma vida sem sonhos não é vida. Quando o ato de sonhar é barrado, a vida perde sentido e os processos depressivos acabam tomando conta de nós.
Estamos falando em sonhar, neste caso usando a palavra sonho para definir um processo interno que acontece no estado de vigília. Existe, no entanto, um paralelo entre esse sonhar no estado de vigília e o sonhar quando dormimos. Ambos os processos nos colocam em contato, embora de maneira diferente, com o nosso mundo interno, fazendo uma ponte entre o “dentro” e o “fora”, uma ponte importantíssima para o nosso equilíbrio psíquico.
Freud dizia que o sonho (dormindo) é uma realização do desejo inconsciente. Da mesma forma, o processo de “sonhação” (vou usar essa palavra para indicar o sonhar acordado) também nos põe em contato com nossos desejos inconscientes.
A ponte com o desejo é importante, pois, sobre ela, passa a nossa energia vital, a libido, que nos impulsiona em direção ao mundo externo e aos “objetos” que nele se apresentam, ao nosso alcance. Uso o termo objeto para indicar coisas, projetos pessoais, perspectivas profissionais, afetos, situações, pessoas, etc., enfim tudo o que está fora de nós e que é desejado.
O processo de sonhar se diferencia substancialmente do processo do devaneio, uma forma alucinatória e, portanto, ilusória. O que distingue o sonho do devaneio é o fato que, no primeiro, a realidade é levada em conta, no segundo não. O primeiro, portanto, é um processo saudável; o segundo é um processo doentio.
Em alguns casos os “sonhos” não se concretizam porque na realidade são devaneios, ou seja, desconsideram totalmente a realidade. Uma coisa é eu sonhar de ser vereador na minha cidade, outra coisa é sonhar de ser presidente dos Estados Unidos, sendo que sequer tenho a cidadania americana.
Muitos devaneios são alimentados pela esperança ilusória de ganhar na loteria, no jogo, de obter ganhos fáceis, dando golpes de esperteza nos outros, ou, simplesmente, em uma atitude passiva de “esperar que as coisas melhorem”.
No entanto, a não concretização de um sonho nem sempre passa pelos descaminhos do devaneio. Às vezes, e esse parece ser o caso do nosso leitor, os sonhos não se realizam porque não existe a autorização interna para isso.
O processo criativo que é disparado pelo sonho não entra em ação porque não existe a possibilidade interna de autoriza-lo. As razões disso podem ser muito complexas e seria impossível resumi-las aqui.
O que podemos dizer, de forma muito genérica, é que existe uma relação entre a capacidade de “brincar” –vale a pena notar que o brincar já acontece no próprio ato de amamentar– adquirida na infância e a capacidade de criar na idade adulta.
No brincar, de fato, a criança aprende a fazer a ponte entre “objetos” que pertencem ao mundo externo – e que portanto são reais – e, objetos que pertencem ao seu mundo interno – e que portanto são muito mais que simples objetos. O seio da mãe não é apenas uma fonte de alimento. Um bichinho de pelúcia não é apenas um bichinho de pelúcia. Ao brincar com eles, a criança experimenta a sua relação com o mundo e cria novas situações imaginárias a partir dela mesma.
Nisto consiste o processo criativo: revestir o mundo externo com os nossos sonhos e desejos, em busca de imprimir nele a marca do nosso mundo interno. Embora seja um processo espontâneo, ele depende para se desenvolver da maneira como fomos recebidos no mundo. {jcomments on}