Reestruturação, capacidade de sonhar e alma da empresa

Reestruturação, capacidade de sonhar e alma da empresa

 

(c) Roberto Girola

Provavelmente você já passou por momentos em sua vida em que tudo parece achatar-se sob o peso da rotina. O dia-a-dia parece estar reduzido à execução de um roteiro, onde resta pouco espaço para a improvisação. A sensação é de angústia. O cansaço marca seus passos. Tudo parece pesado e sem sentido. A ansiedade se insinua e leva a comer mais do devido, a trabalhar de forma compulsiva, a beber, a buscar uma aventura no plano sentimental. O que pode nos tirar desta situação são determinadas circunstâncias da vida, através das quais voltamos a ter acesso ao nosso mundo interno, aos nossos sonhos. Um namoro, o nascimento de um filho, a morte de um ser querido, a recuperação da fé, uma mudança de emprego, de cidade, uma terapia bem-sucedida podem ativar em nós novas experiências, que nos levam a reestruturar nossa vida.

Tudo isso acontece no plano individual, mas acontece também na vida de uma empresa. Rotinas achatadas marcam o dia-a-dia, num clima caracterizado pela falta de entusiasmo e pela dificuldade em se adaptar às mudanças que o mercado parece exigir. Tarefas repetitivas são executadas com precisão obsessiva, sem que ninguém saiba exatamente o porquê. Até que a alguém ocorre a palavra mágica… Precisamos reestruturar a empresa… Quando esta palavra começa a circular pelos corredores, uma sensação incômoda de ansiedade e de perturbação invade a todos. O que está em jogo não é apenas o medo de perder o emprego ou o próprio prestígio, mas também o temor de adentrar regiões desconhecidas, o medo que, ao empreendermos a viagem, como Odisseu, acabemos enfrentando monstros terríveis e situações ameaçadoras. 

Esta sensação pode ser justificada por causa da pouca clareza com a qual um processo de reestruturação é iniciado e conduzido. Para alguns o objetivo da reestruturação é apenas reduzir custos e aumentar os lucros. Para outros o objetivo é implementar sistemas mais eficientes e modernos, garantindo assim rotinas administrativas mais ágeis (GED) e a obtenção de dados gerenciais mais consistentes (ERP, SAP, Data Mining). Para outros, o objetivo é melhorar este o aquele setor da empresa, garantir a satisfação do cliente (CRM), ou a melhoria da qualidade de produtos e serviços (Certificados ISO).

Tudo isso por si só não garante um bom início. Toda empresa, como qualquer empreendimento humano bem-sucedido, nasceu de um sonho. Com o decorrer do tempo, o sonho geralmente acaba sendo encurralado pela realidade, seus contornos podem deixar de ser definidos e podem começar a ficar confusos com aqueles de outros sonhos. O sonho no entanto é o que garante a uma empresa de ter uma alma, da qual brotam sua filosofia de trabalho e seus objetivos. 

Acredito que o primeiro objetivo de uma reestruturação seja permitir que a empresa volte a ter uma visão clara do seu sonho e possa voltar a entrar em contato com a sua alma. Nisso não há nada de assustador, muito pelo contrário, é uma tarefa estimulante, embora não seja fácil. O processo de reestruturação tende a se tornar um pesadelo quando é encarado de uma forma eminentemente técnica. Trata-se, de fato, de um empreendimento que não é apenas técnico, embora sejam necessários profundos conhecimentos de suas técnicas e estratégias  para empreendê-lo. O que é mais importante é a habilidade de despertar nas pessoas envolvidas a capacidade de sonhar um sonho. Isto só se faz através de uma profunda empatia com os seres humanos que trabalham  na empresa e que com ela se relacionam.

Fica claro, desde já, que para que a empresa volte a viver o seu sonho, um processo de reestruturação só pode ser feito a partir da presidência ou da alta diretoria da empresa. Se não houver o envolvimento dos mais altos níveis hierárquicos nenhum processo de reestruturação poderá dar certo, pois, de certa forma, são eles que devem “inspirar” nos demais níveis o entusiasmo pelo sonho da empresa.

Uma vez identificado o sonho é necessário equacioná-lo com a realidade.. Neste sentido, acredito seja interessante estabelecer algumas premissas que nos ajudem a entender o contexto em que esse sonho pode se realizar.

As últimas décadas do século XX foram marcadas por mudanças profundas, que atingiram a vida das empresas e da sociedade. O gradual desmantelamento do bloco socialista provocou não apenas uma série de reajustes políticos, mas trouxe conseqüências cuja importância é difícil avaliar até hoje. A situação polarizada pelo confronto ideológico entre dois blocos foi substituída por uma tendência totalizante, que, traz, como pressuposto, uma unilateralidade perversa. Não é por acaso que ouvimos falar hoje, com bastante superficialidade e desenvoltura, de eixos do bem e do mal. O mundo parece condenado a viver essa polarização entre bem e mal em diferentes níveis.

O modelo neoliberal passou a ser o único considerado bem-sucedido e confiável. Questioná-lo passou a ser sinônimo de atraso e de incompetência. Mudança e incerteza caracterizam o início do Novo Milênio. Grandes avanços tecnológicos, sobretudo na área das telecomunicações e da informática, provocaram uma verdadeira revolução desde a produção de bens e serviços, até as diferentes fases da comercialização e distribuição de produtos. O fenômeno da globalização acabou se estabelecendo como uma tendência irreversível, trazendo profundas mudanças nos padrões culturais, econômicos, sócias e políticos. As relações de trabalho apontam para um crescente clima de instabilidade e de insegurança, que tem como contrapartida angustiante a necessidade cada vez maior de qualificação profissional e um clima de trabalho cada vez mais competitivo e estressante.

Os solavancos econômicos a que são submetidos todos os países, inclusive os mais ricos, mostram uma economia instável, submetida às oscilações do enorme volume de capitais que circulam nos mercados financeiros. Os humores e os temores dos investidores, seguem uma lógica eminentemente especulativa, estabelecendo uma cisão entre mundo da produção e mercado financeiro. As bolhas especulativas, geram uma realidade virtual que se sobrepõe à lógica e ao bom senso da realidade dos fatos. O cenário tornou-se ainda mais complicado por causa do fantasma da guerra e do terrorismo que volta a rodar as mentes humanas, com o seu cortejo de horrores. Tudo isso representa um grande fator de pressão e estresse sobre o ambiente empresarial, determinando uma situação que passou a marcar o dia-a-dia de pessoas e instituições. Falar de sonhos neste contexto perturbado, pode parecer utópico.

No entanto, o observador mais atento poderá perceber que, timidamente, alguns “sonhos” emergem do perturbado cenário mundial, perfilando novos desafios para as empresas e para a economia do novo milênio e questionando o valor supostamente incontestável do modelo de globalização neoliberal. Dentre eles podemos destacar: uma maior atenção ao meio ambiente; uma preocupação com a distribuição de riquezas mais justa entre ricos e pobres; a introdução de mecanismos de controle internacional que atenuem a perversidade do modelo neoliberal; a urgência de evitar o consumo irresponsável dos recursos limitados do planeta; uma maior atenção para a valorização do fator humano no ambiente de trabalho e uma maior atenção aos valores. O guru empresarial Deepak Chopra chega a falar abertamente de uma espiritualidade corporativa.

Neste contexto,  o que pode determinar o sucesso de uma empresa?  Chopra responde de forma clara e cortante: “As empresas que serão bem-sucedidas no futuro serão aquelas que, na verdade, estão tentando suprir a natureza e as necessidades básicas da vida”.  Em outros termos podemos dizer que sobreviverão as empresas que tem um sonho, que motiva sua presença na sociedade, que se manifesta em gestos criativos e não apenas na capacidade de “reagir” às regras impostas pelo mercado.  O grande desafio dos processos de reestruturação é, a meu ver, recuperar esse sonho. Por esta razão, um processo de reestruturação bem-sucedido é sempre um processo abrangente, que envolve necessariamente desde a alta direção da empresa, até o último funcionário. Por sua vez cada pessoa envolvida vai viver o processo a partir do seu mundo interno, de forma participativa ou persecutória, de acordo com sua possibilidade ou impossibilidade de viver numa realidade compartilhada.

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