Categorias
Entrevistas e Lives

O sentido da vida – Revista Vida Simples

Entrevista concedida à Revista Vida Simples para a matéria ”O sentido da vida” (20/09/13)

1 – O que dá sentido a vida? Existe um sentido comum que daria significado a vida de todos? Ou cada um encontra o seu?
Creio que se possa responder a esta pergunta com uma metáfora. O sentido da vida pode ser comparado a um alinhamento de planetas. O ser humano vive em um universo povoado por diferentes mundos. Existe o nosso mundo interno, marcado por suas necessidades. É a partir dele que se organizam as nossas fantasias e os nossos desejos. Nele está encerrada a nossa energia vital, o senso de identidade e a nossa subjetividade. Mas existe também o mundo externo, com seus estímulos e suas imposições. Ele nos pressiona o tempo todo, pondo barreiras à nossa liberdade e ao nosso desejo de viver. O ser humano não pode se desenvolver sem levar em conta esses dois mundos. Se a vida ficar somente à mercê de um deles ficará prejudicada, ou por um narcisismo exasperado, caso fiquemos aprisionados ao nosso mundo interno, ou por uma submissão ao mundo externo, em que passamos a nos sentir totalmente à mercê dos outros. O que dá sentido à vida é poder alinhar esses mundos, para que possam orbitar em torno de um eixo, aquilo que eu chamaria de “Self”.

2 – Como a Psicanálise pode nos ajudar nessa busca?
Para a Psicanálise, o ser humano nasce não integrado. Ele precisa viver um processo que o leva a se sentir inteiro, real e existente, uma mente inserida em um corpo. Esse processo deveria acontecer naturalmente, através do contato que o bebê tem com o ambiente que o acolhe. Infelizmente, nem sempre isso acontece de forma adequada, provocando um desalinhamento entre o mundo interno e o mundo externo que a mente não consegue gerir. Na busca desse alinhamento, a análise pessoal acaba sendo de forma geral também uma busca de sentido para a própria vida. Ela permite que descubramos como funciona o nosso mundo interno e que possamos assim lidar melhor com ele, da mesma forma como nos permite aprender a lidar melhor com o mundo externo, com os outros de forma geral.

3 – De que maneira a espiritualidade nos ajuda a ir de encontro ao sentido da vida? Sabemos que essa crença é diferente em cada religião. poderia comentar de uma maneira geral?
Na minha atividade de psicanalista, sempre me surpreende perceber o quanto o processo analítico acabe se tornando também um processo interno de amadurecimento espiritual. Atendo pessoas de todo tipo, cristãos, espiritualistas, judeus e até ateus. Para todos, no entanto, o processo de encontro consigo mesmos, através da análise, se torna também um encontro com uma dimensão interna peculiar. Trata-se de uma espécie de repositório sagrado, o Self, em torno do qual se organiza a nossa personalidade. Nele convergem a nossa origem, que abarca o contexto cultural e a tradição dos nossos antepassados, o nosso passado pessoal com suas memórias, formando uma linha que dá sentido ao nosso hoje, pois nos faz sentir reais, existentes, ajudando-nos assim a nos projetar para o futuro. É em torno desse eixo pessoal que se organizam a nossa ética e a nossa estética de vida. A ética envolve os nossos valores, a forma como vemos o mundo. A estética tem a ver com as nossas “formas”, ou seja, a maneira com a qual nos apresentamos sob todos os aspectos, desde a forma como nos vestimos, à forma como nos comportamos, à forma como nos harmonizamos com o corpo e com a natureza. A vida só faz sentido se conseguimos esse alinhamento com o nosso Self, que confere uma dimensão sagrada à existência. Acredito que, como dizia Jung, exista uma conexão entre o Self e a dimensão transcendente, seja lá como cada um a interpreta.

4 – O que dá sentido a sua vida?
Quando era jovem sempre pensava que o que daria sentido à minha vida seria abraçar as grandes causas da humanidade. Por isso resolvi estudar Filosofia e Teologia. Busquei dar um sentido à vida me empenhando seriamente na busca espiritual, mas sem deixar de lado o engajamento social. Tudo isso me levou a um processo de busca incansável, fazendo com que deixasse a minha terra natal, a Itália, para viver inicialmente na Argentina e sucessivamente no Brasil. Com o tempo fui percebendo que o sentido da vida não estava em tudo isso, nas grandes coisas, e sim nas pequenas. Hoje me delicio com as pequenas coisas do dia-a-dia, as relações com as pessoas que encontro, com meus analisados, com meus alunos. Contribuíram muito para isso o casamento e o convívio com meus dois filhos, pois me ajudaram a perceber que a grandeza se encontra naquilo que é simples e pequeno.

5 – Na sua experiência de trabalho, como percebe quando a vida perde o sentido para as pessoas?  O que desencadeia essa falta de rumo?
Na época de Freud o sofrimento psíquico era em grande parte devido àquilo que ele chamou o Mal-estar da Civilização. Com isso ele se referia à necessidade do ser humano de se submeter às normas do convívio social, que, na época, era em grande parte percebido como castrador. Hoje as coisas mudaram. Ainda vivemos um Mal-estar da Civilização, mas um novo, diferente daquele do fim do século XIX e início do século XX. O grande Pai, reflexo da figura paterna, mudou de aspecto. Ele já não nos proíbe nada, ao contrário, estimula para que possamos ter tudo; nos desafia para o gozo sem fim. O Consumo e o Mercado são os representantes desse grande Pai que norteia a nossa vida. A pessoa hoje perde o rumo quando se entrega a essa estressante necessidade, que a compele a não ficar atrás no grande cortejo dos bem-sucedidos. Isso não apenas se reduz a acompanhar a moda, a buscar situações que proporcionam status, mas também define uma relação peculiar com o próprio corpo que também se torna objeto de consumo, assim como as próprias relações humanas. O problema não está na busca do prazer, mas no fato que o prazer que buscamos não é aquele que brota do nosso mundo interno e sim do externo, vindo como algo imposto.

6 – Se fosse escolher três placas (como as de estrada) que indicam o sentido da vida, o que estaria escrito nelas?
Uma poderia ser a máxima atribuída a Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo”. A outra poderia ser parecida àquela definida por Kant como a norma moral fundamental: “Que o teu agir possa se constituir em norma do agir dos outros”. E finalmente: “Que o teu olhar nunca se perca na imensidão do firmamento e nem na pequenez do grão de areia”.

7 – Algo mais que acha importante dizer sobre o assunto?
Os grandes mestres espirituais da antiguidade apontam para um elemento fundamental que nos diz se estamos no caminho certo na busca do sentido da vida: a paz. Quando algo faz sentido, nos traz paz, mesmo que se trate de uma paz que não descarta a inquietação do desafio. A busca da tão aclamada “qualidade de vida” se torna, para muitos, fonte de stress e aprisionamento enquanto a busca do “sentido da vida” resulta em uma sensação prazerosa de calma e paz.

Wordpress Social Share Plugin powered by Ultimatelysocial