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O Estranho que nos habita

O Estranho que nos habita

Quando Freud deixou claro que havia na nossa mente uma dimensão submersa, totalmente inacessível á nossa consciência, que dominava de forma maciça o nosso pensar e o nosso agir, as reações da opinião pública foram de indignação.

Durante um seminário no Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (SP) com a participação de psiquiatras, psicofarmacólogos e psicanalistas, percebi que esse estranhamento diante da existência do inconsciente continua afetando mentes brilhantes. Um dos palestrantes, um famoso psiquiatra, perguntou aos presentes, com certo tom de deboche e uma pitada de arrogância, se algum de nós já havia visto o inconsciente. Embora me admirando que um profissional que lida diariamente com a mente humana pudesse fazer uma pergunta desse tipo, tive que reconhecer mais uma vez que o caráter paradoxal do inconsciente nos afeta de maneira desconcertante.

Não é de se estranhar que a humanidade tenha vivido por muito tempo sem se interrogar explicitamente sobre a existência do inconsciente, assim como não é de se admirar que vivamos a maior parte do tempo supondo que ele não existe. Mais ainda, é sabido que há abordagens terapêuticas de caráter psicológico e até cursos de formação de psicólogos que não se focam nos processos inconscientes da mente.

Em entrevista concedida à Folha de São Paulo, publicada em 02/11/2011, o neurobiólogo Eric Kandel, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 2000, fala sobre a importância das descobertas de Freud. O cientista da Universidade Columbia, de Nova York, premiado por seus estudos sobre a memória, afirma que “a ideia geral de Freud sobre processos mentais inconscientes é muito importante para nossas vidas”. Para Kandel “boa parte de nossa atividade mental é inconsciente: isso acabou se mostrando uma verdade universal”.  Somente uma pequena parte do nosso cérebro lida e processa as percepções conscientes, enquanto a maior parte não é acessada, ficando oculta para o sujeito. Kandel em sua entrevista, apesar de manifestar reservas sobre a precariedade das pesquisas científicas envolvendo a psicanálise, reafirma a sua validade terapêutica, que pode cobrir lacunas da psiquiatria  e a atualidade de sua abordagem do inconsciente.

Entrar em contato com esse Estranho que nos habita não é tarefa fácil. Na medida em que nos aproximamos dele o estranhamento é inevitável, pois percebemos algo paradoxal por trás dos nossos processos mentais.

Como acessá-lo? Para Freud, o “caminho de ouro”, talvez o mais explícito, são os nossos sonhos. É através do sonhar que uma janela se abre sobre o nosso inconsciente, mostrando a riqueza desse nosso mundo interno.

Freud chegou a considerar o inconsciente como um cavalo selvagem que precisa ser domado. Já Jung, embora não deixasse de alertar sobre seus perigos e seu lado sombrio, o via de forma mais positiva, apontando sua relação com o inconsciente coletivo, a alma da humanidade, onde se encontram as formas primitivas do nosso psiquismo (arquétipos), e até como uma via de acesso ao “divino”.

Devido ao seu aspecto instintivo primitivo, o inconsciente encerra em si uma visão mais ampla e imediata das coisas, não deixando portanto de ser um bom conselheiro, desde que saibamos como lidar com ele.

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