Não sou perseverante

Tenho dificuldade em persistir com minhas atividades. Se entro numa academia logo eu saio, se entro em um curso logo fico desinteressado. No trabalho também me sinto desmotivado mesmo sendo uma empresa em que eu sempre quis trabalhar. O que seria isso? Preguiça? Transetorno? Desmotivação para vida? (Anônimo) 

Não é raro encontrar pessoas que sofrem por não conseguirem manter o foco nos seus objetivos. As repetidas tentativas de se dedicar a algo são frustradas pela desistência. Aos próprios olhos e aos olhos dos outros parecem inconstantes, inseguros e são tachados de serem preguiçosos, acomodados, pouco perseverantes.
O sofrimento que isso acarreta  transparece de alguma forma da pergunta do nosso leitor. Não é fácil conviver com essa constante flutuação e com a sensação que tudo o que é investido pelo desejo acaba se esvaziando, deixando um gosto amargo na boca.

Evidentemente não é possível arriscar um diagnóstico, mas, se de fato prevalece o desinteresse pela vida como insinua a pergunta, talvez estejamos diante de quadros clínicos de caráter depressivo ou melancólico de diferente gravidade, dependendo do comprometimento estrutural da psique.

O quadro menos grave pode estar relacionado a um episódio depressivo ligado a alguma situação que agiu como um evento disparador. Depressões de caráter episódico acontecem com frequência em mulheres após o parto. Um artigo publicado recentemente no UOL apontava para o mesmo fenômeno também nos homens, sobretudo pais de primeira viagem. Da mesma forma, outras situações de caráter “traumático” tais como acidentes, mortes de seres queridos, desemprego, fracassos na vida amorosa ou profissional, etc. podem disparar síndromes depressivas. Trata-se, nestes casos, de um desinteresse pela vida provisório, um “luto” que o psiquismo, com o tempo, tende a elaborar, permitindo que o investimento na vida volte. Quando isto acontece, o interesse pela vida e a persistência nos próprios objetivos volta a ser possível.

 Quando porém estamos diante de uma estrutura depressiva  ou de uma estrutura dominada pela melancolia, o quadro clínico é mais grave e o tratamento mais lento. O que caracteriza a depressão estrutural é a sensação de impotência diante da vida e a desistência constante diante dos eventuais investimentos que a pessoa faz em direção ao mundo externo (academia, viagens, trabalho, cursos, vida amorosa, etc.). Ocorre um afastamento dos próprios desejos que gera uma situação paradoxal, pois a pessoa tem alguma percepção do seu desejo, mas este logo fica fora do alcance e portanto se vê obrigada a desistir dele. É como se não houvesse uma autorização interna para o desejo. Por se tratar de uma estrutura, estamos falando de um pano de fundo sobre o qual toda a vida da pessoa se molda.

A estrutura melancólica leva a pessoa a investir seu interesse em objetos que são “idealizados”, ausentes ou distantes. Se, por exemplo, o objeto investido for uma academia, a escolhida nunca estará á altura “da academie” que a pessoa investiu com o seu desejo, pois a tal academia é um objeto interno idealizado que nunca poderá ser encontrado no mundo real. O mesmo vale para o curso, para o trabalho, para o parceiro na vida amorosa, etc. A vida da pessoa fica portanto marcada por um constante senso de frustração e, não raramente, por uma espécie de inveja pela vida dos outros.

Nos dois casos relatados, por se tratar de síndromes estruturais, o tratamento e mais difícil e lento, pois a psique deverá reverter seus funcionamentos instintivos e “aprender” novos funcionamentos que permitam um investimento na vida real do sujeito e nos seus desejos.

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