Tenho dificuldade de relacionar amorosamente, pois tenho muito medo de me magoar. Isso pode ser algum trauma que vivi na infância? (anônimo)
Os homens se queixam: “As mulheres são difíceis”. Por sua vez as mulheres também reclamam: “É difícil encontrar um cara legal”. Tema preferido de filmes, novelas romances e peças teatrais, a relação amorosa de fato não é fácil.
O pior é que, na maioria das vezes, a dificuldade não está apenas em “achar” o parceiro certo, e sim nos problemas pessoais que cada um enfrenta quando se trata de se “vincular”. O vínculo e a capacidade de se vincular estão de fato profundamente relacionados à vida primitiva do bebê e às experiências vividas na infância.
O nosso cérebro é uma imensa base de dados que contém as memórias de todas as experiências afetivas vividas desde que nascemos. As primeiras sensações vividas pelo bebê são muito intensas e marcantes do ponto de vista afetivo, mas elas ainda não podem ser registradas pelo cérebro como “representações”, ou seja, como traços mnêmicos associados a memórias afetivas, elas apenas circulam como núcleos energéticos de sensações que buscam uma representação mnêmica adequada. Somente com o tempo o bebê começa a associar as sensações a memórias significativas que passam “representar” o seu mundo interno e o mundo externo sob forma de memórias ligadas a imagens, sons, cheiros, sensações táteis e gustativas.
Quando uma determinada experiência sensorial é vivida na vida adulta ela busca no cérebro um caminho neuronal já traçado que a leva a resgatar e reviver experiências do passado, cuja intensidade emocional é trazida para o presente. Freud chamava essas ligações neuronais de “caminhos facilitados”, através dos quais a vida pulsional inconsciente se manifesta.
Embora muitos pensem que seus problemas de vinculação residam apenas na vida amorosa, na realidade eles são comuns a todos os vínculos que o indivíduo estabelece, na vida pessoal e profissional, com pessoas, objetos e situações..
O “medo de se magoar” é apenas uma dessas memórias afetivas, relacionada a experiências primitivas em que a mente registrou a pouca confiabilidade do ambiente externo. “Ficar com um pé atrás” se tornou um caminho facilitado para a mente, que buscou nessa atitude psíquica uma forma de se defender da angústia que o encontro com o “outro” provoca.