A inveja do útero

Depois que nasceu o bebê, meu marido está distante e irritadiço. Ele não parece curtir esse momento e a presença d bebê o incomoda, embora ele disfarce esse sentimento e se esforce para ajudar. O que está acontecendo e como devo agir? – MLS – São Paulo (SP)

Muito se falou, inclusive nesta coluna, da “inveja do pênis”, um tipo de inveja que Freud atribui à mulher quando ela percebe e deseja a condição masculina, tida como melhor e mais “poderosa”.

A pergunta da nossa leitora, no entanto, parece apontar para um outro tipo de inveja, desta vez sentida pelo homem, com relação à condição feminina e em particular à maternidade.

A possibilidade de gerar nas próprias entranhas um outro ser é uma experiência poderosa e assustadora ao mesmo tempo. Trata-se de uma experiência que, nós homens, assistimos, por assim dizer “de camarote”, sem nunca poder realmente adentrar seu mistério.

A reação do marido da nossa leitora pode ser apenas uma crise de ciúmes pela atenção que a mãe dedica ao seu bebê; atenção da qual ele se sente privado. Isto acontece sobretudo quando o homem mantém com a mulher um vínculo regredido, quase infantil, moldado na relação que ele tinha com a mãe e quando a mulher se presta a manter esse tipo de vínculo “ma ternal” com o marido.

Se esse for o caso, a mulher tem que rever suas atitudes, ajudando o homem a ocupar o seu lugar de marido. Nem sempre isso é fácil, pois, na maioria das vezes, o homem se torna um “bebezão dependente” por causa da relação que manteve com a própria mãe. A terapia pode ajudar nesse sentido.

Quando porém a reação envolve o nascimento de um filho homem, pode haver um conflito masculino mais profundo, menos perceptível e consciente. Pode de fato tratar-se de uma disputa “edípica” que o pai trava com o recém nascido.

Neste caso acredito que haja no inconsciente masculino um complexo que não foi bem resolvido. Ao ser impedido de ter a mãe só para si pelo pai, o futuro pai não pôde se apropriar devidamente do amor da mãe e da “potência” do pai. Isto pode acontecer quando o pai não é admirado porque é autoritário e grosso, ou então porque é muito “fraco”.

Vale a pena notar que esse conflito pode existir não apenas quando o pai está presente, mas também quando o pai está “ausente”, porque morreu ou porque não se interessa pelo filho e pela mãe. Neste caso em que a mãe está supostamente disponível para o filho sem um pai que “barre” a relação entre os dois, instala-se no inconsciente do menino o medo do incesto e a percepção de sua impotência: Ele não pode dar conta das convocações da mãe e da falta do pai que ela sente.

Seja qual for a situação, a figura feminina permanece distante e idealizada, quase inacessível. O homem neste caso mal acredita que uma mulher possa se interessar de verdade por ele. Instala-se então nele uma espécie de “inveja” pwlo universo feminino tão poderoso e inacessível. Poderíamos chamar essa inveja, parafraseando a expressão de Freud, de inveja do útero. Inevitavelmente, como em toda forma de inveja, o objeto invejado passa a ser atacado.

O poder do feminino objeto dessa fantasia masculina se intensifica no momento da gravidez, ainda mais quando a mulher dá a luz um filho homem que passa a desfrutar de todas as atenções da mulher. O pai “excluído” desse amor feminino volta a se sentir inadequado e sem importância, assim como se sentia em relação à mãe. Um sentimento profundo de inveja passa então a devora-lo. Amor e ódio caracterizam então a relação com esse femininopoderoso e  inalcançável.

Por se tratar de um conflito profundo, neste caso acredito que somente uma terapia de cunho psicanalítico possa ajudar.

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