Ficar, namorar, noivar em tempos de mudança

Estamos vivendo em tempos de mudanças, não há dúvida, mas será que as mudanças também afetam questões tão básicas do humano como a própria vida amorosa? Se fizéssemos uma pesquisa, provavelmente as respostas divergiriam, alguns achando que sim, outros que não.

Creio que ambos tenham razão. Há aspectos que não mudam, por estarem inscritos na própria natureza humana. As considerações sobre o amor tecidas por Shakespeare, Goethe, Fernando Pessoa ou outros escritores do passado continuam tocando o coração do homem de hoje. Por outro lado, o ambiente externo acaba exigindo adaptações que podem ser vistas como “mudanças”, mesmo em áreas tão essenciais do humano.

A introdução do verbo ficar no histórico da vida amorosa é uma prova disso. A expressão, bastante usada pelos jovens de hoje pode indicar tanto um simples beijo ou amasso trocado na balada, como uma noitada de sexo casual. O ficar é um subproduto típico da sociedade do consumo. Não estamos de fato falando, na maioria dos casos, de um encontro autêntico com o outro, mas de um simples “uso”, às vezes invasivo e violento, do corpo do outro em um ambiente que favorece e encoraja esse tipo de abordagem. O quão pouco isso corresponda a uma exigência autêntica do psiquismo é comprovado pela necessidade que esses momentos sejam regados a álcool, drogas ou estimulantes químicos.

O namoro nos dias de hoje tende a ser a fase “careta” da vida amorosa, marcada pela posse quase onipotente do objeto amado. Diante da feira do consumo promíscuo do ficar, quando dois jovens resolvem namorar, querem se distanciar de tudo isso e, na maioria dos casos, buscam um relacionamento monogâmico. As cenas de ciúmes são características desse período. Passamos então do uso onipotente, marcado pela não posse do objeto amado (promiscuidade), para a posse, que marca uma tentativa de apropriação do outro, geralmente imatura. A parafernália tecnológica ao alcance dos jovens contribui para o controle obsessivo, permitindo acompanhar a vida do outro online via celular, computador, tablets, etc., o que torna a relação difícil e pesada.

Isto não impede que, no decorrer do namoro, dependendo das características do psiquismo dos envolvidos, possa surgir a necessidade de estabelecer um vínculo mais saudável, no respeito da individualidade de cada um. No entanto, a facilidade com a qual as pessoas sentem que podem ser trocadas, inclusive através de contatos virtuais, pode favorecer interações baseadas na submissão e levar a uma relação não autêntica.

Nesta fase, entram em cena fatores que podem complicar o namoro. Um deles é a falta de tempo. Tomados por rotinas envolvendo a necessidade de conciliar estudo e trabalho, os jovens que namoram às vezes têm dificuldade para se encontrar e “perder tempo” juntos. Muitas trocas são feitas virtualmente, de forma rápida e superficial.

Por outro lado, uma maior flexibilidade moral dos pais e da sociedade faz com que muitos “namorados” comecem a conviver sexualmente antes do casamento. Isto pode criar um mal-entendido, fazendo com que a intimidade e a cumplicidade afetivas sejam trocadas pela intimidade sexual. Às vezes isso resulta na gravidez prematura e na necessidade de conviver com escolhas para as quais o casal ainda não está preparado.

O noivado, não tem hoje o caráter formal que tinha antigamente e, em alguns casos, é celebrado de forma informal sem grande repercussão social, passando a ser quase um prolongamento do namoro (o namoro firme).

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