Eu + Eu = -Eu

Eu + Eu = Eu
No contato com os meus pacientes percebo que as mudanças que o mundo nos apresenta trazem um grau elevado de angústia e perguntas que não se calam. O ser humano está se tornando mais egoísta? Estamos a caminho de uma nova era de barbárie? O que estamos vivendo é algo novo ou sempre foi assim? Afinal o que caracteriza o ser humano, como tal?

A visão que Freud apresenta em O mal-estar da civilização é aquela de um sujeito que vive às voltas com os instintos que brotam do seu inconsciente, tentando dominá-los pela pressão que ele sofre pelos processos civilizatórios, que lhe impõem suas leis e suas exigências, procurando barrar a força do seu desejo.

Com a crescente dificuldade que o ser humano tem de lidar com o que o pensamento pós-moderno define como “grandes narrativas”, as pressões que o ambiente cultural civilizatório exerce sobre o sujeito é cada vez menos pautada na repressão dos desejos inconscientes e cada vez mais voltada a dar vazão a tais desejos, através de uma apropriação do mundo “sem limites”, onde o pertencimento é garantido pela posse de bens materiais e do poder, numa procura constante da experiência do “gozo”.

Bauman descreveu esse tipo de organização social como mundo líquido, onde a solidez e a segurança das antigas crenças, das instituições e da organização social é substituída pela anarquia caprichosa do capital, pela sensação de uma fluidez, onde tudo é intercambiável e substituível.

As religiões que tradicionalmente ocuparam um papel simbólico importante no “controle” do desejo e do mundo instintual, estão de forma geral também marcadas por uma espécie de competição para atrair novos adeptos e impor suas estruturas de poder, visando garantir ao sujeito algum tipo de “pertencimento” que, como na sociedade consumista, é assegurado não por uma adesão do ser e sim do ter.

Neste panorama, parece triunfar uma necessidade de afirmação narcísica, onde a afirmação de si se dá de forma cada vez mais alucinada, sem que o sujeito possa identificar as demarcações que o introduzem no território do outro e o inscrevem em um discurso que a ele se contrapõe como o discurso do Grande Outro.

Volta a pergunta, esse estado narcísico sem limites garante ao ser humano uma maior apropriação de si, baseada unicamente na sua capacidade de se impor sobre o mundo de forma onipotente?

J. Benjamin, no capítulo “Master and slave” do seu livro Bonds of love, questiona a hipótese que o funcionamento psíquico saudável supõe apenas a necessidade de um Superego baseado no princípio de realidade e na obediência `à Lei, tendo como objetivo evitar a barbárie e a loucura. Podemos contudo observar que na própria visão que Freud tem do direito em um texto dirigido a Einstein sobre a necessidade da guerra, emerge a tese que o direito é sempre direito de alguns mais fortes (os Masters) às custas do direito dos outros mais fracos (os Slaves).

Para Benjamin no entanto, o encontro com o outro é uma experiência necessária para a própria constituição do sujeito, que emerge do ser em um estado de loucura (o narcisismo primário do bebê) para adentrar através do outro (mãe-ambiente) a experiência da subjetividade em um ambiente comum e compartilhado. Para essa visão psicanalítica moderna, o “princípio de realidade” é acessado graças a uma experiência que supõe a inclusão do outro no universo psíquico do sujeito. Simples assim, mas com isso tudo muda: a inclusão do outro não é mais uma obrigação imposta pela Lei e sim uma necessidade do próprio psiquismo humano para se constituir em uma experiência onde Eu+Outro=Self (descoberta do próprio Self em um ambiente comum e compartilhado).

Talvez por isso o Cristianismo, uma das três grandes religiões monoteístas, tenha elaborado um das suas mais estranhas elaborações teológicas: a Trindade. Deus, como fonte de todo Ser, não é uma mônada autossuficiente, e sim uma dinâmica vital trinitária, que envolve a experiência fontal (0 Pai/Puro Espírito), o elemento outro (Filho/Matéria) na experiência de um si mesmo compartilhado que encabeça toda experiência evolutiva (Espirito Santo). Nesse mesmo modelo Hegel (que estudou teologia cristã) concebe a evolução da Consciência Universal que se desdobra e se articula em Tese, Antítese e Síntese em busca de sua constante auto-superação.

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