Conversando com um amigo, descobri com surpresa que ele tinha substituído o carro como meio de transporte para ir ao trabalho por um patinete. Os 25 minutos do trajeto de carro se tornaram 15 minutos de patinete, aproveitando as ciclovias construídas pela prefeitura de São Paulo.
“As pessoas acham engraçado um tiozinho de terno e gravata andando de patinete” comenta o meu amigo, “mas o mais interessante, é perceber que algo mudou na forma como o trajeto entre casa e escritório é processado pela minha mente”. Este comentário me fez relembrar o texto de uma psicanalista, publicado anos atrás, no qual ela comentava sobre como faz falta para o nosso psiquismo estabelecer esses espaços intermediários entre uma coisa e outra.
O carro é de certa forma uma “bolha narcísica”. A forma como muitos fazem uso deles parece confirmar essa leitura, pois dentro do seu carro muitos motoristas esquecem que o outro existe, eles se tornam bolhas isoladas que circulam pelas vias urbanas ou pelas rodovias… O outro existe apenas como um pano de fundo sobre o qual eles podem exibir sua performance, ou o desempenho de seus veículos.
O problema do carro bolha é que, por ser uma extensão do Eu (vale a pena observar quantas vezes nos sonhos o carro desempenha esse papel), não permite que o psiquismo faça uma transição entre diferentes espaços, entrando em contato com um espaço intermediário marcado por uma experiência sensorial que o coloca em contato com o mundo externo. No patinete, meu amigo sente o vento no seu rosto, os cheiros da cidade, a rugosidade do terreno, o calor do sol ou a umidade da garoa, a temperatura agradável ou o frio…
Essas experiências sensoriais representam uma ponte psíquica entre uma situação (saída de casa) e a outra (chegada ao trabalho). Demarcam espaços e definem tempos diferenciados, rompendo a sensação inconsciente da continuidade sem tempo, de um espaço psíquico, narcisicamente indiferenciado.
O fato de estarmos o dia inteiro online, reforça tudo isso, pois os espaços, no mundo virtual, se sobrepõem, coexistem e nunca saem completamente do nosso horizonte, reforçando a sensação do prevalecer de um espaço único, maçante, que remete psiquicamente a uma constante repetição do mesmo.