Conto chinês: viver vale a pena?
Esta é de certa forma a pergunta que o filme argentino Um conto chinês propõe através dos recortes de jornal sobre os absurdos da vida, colecionados pelo protagonista, um homem solitário e esquivo, dominado por uma profunda neurose obsessiva.
A pergunta surge insidiosa desde o momento em que abrimos os olhos de manhã e, aos poucos, o mundo vai se construindo ao nosso redor nos trazendo as memórias boas e ruins do dia anterior e os cenários que se apresentam para o dia que começa;
Se a nossa estrutura for propensa à depressão, a vontade será de continuar dormindo, ou, com muito esforço, capturados pela força do dever, será possível levantar e encarar o novo dia de cara feia, pedindo a Deus que ninguém nos dirija a palavra.
No entanto, se a nossa estrutura psíquica for mais propensa à euforia, levantaremos cheios de entusiasmo, cantando sob o chuveiro, incomodando os depressivos de turno com o nosso bom humor.
A nossa mente, contudo, não trabalha como uma linha reta, ela é passível de altos e baixos que modificam o nosso humor. Uma boa notícia, um encontro inesperado, uma atitude afetuosa da pessoa que amamos pode trazer cor e sabor para o nosso dia. Da mesma forma, para os entusiastas de turno, a leitura do jornal, um evento inesperado, uma fechada no trânsito, uma conta para pagar, podem mudar de repente o cenário e trazer raiva e amargura.
Mas afinal, será que somos todos loucos? Com certeza, todo ser humano vive alternando momentos dominados pelo seu núcleo psicótico e outros pelo seu núcleo neurótico. Certa bipolaridade está inscrita na nossa natureza. Há portanto momentos em que achamos que vale a pena viver e outros em que definitivamente achamos que a vida não vale a pena de ser vivida. Obviamente esta oscilação pode atingir seus extremos e se fixar em um surto maníaco, em que somos dominados por um otimismo onipotente, ou em um surto depressivo, em que somos dominados por pensamentos sombrios de morte.
Tudo isso ainda não responde à pergunta se viver vale a pena. A Filosofia buscou por séculos uma resposta a essa questão, chegando a respostas completamente contraditórias. Da mesma forma, as religiões procuram dar um sentido à existência humana e aos seus dramas, à luz de uma transcendência que convoca o ser humano para além dos seus limites e dos seus conflitos.
Do ponto de vista da Psicanálise, não há resposta para essa pergunta, pois ela se debruça sobre o ser humano para constatar que, diante da mesma existência, alguns ficam capturados pela angústia e o desespero, outros se refugiam na fuga maníaca do real, buscando um encapsulamento narcísico que os proteja do mundo e outros ainda conseguem dar um sentido à sua existência e suportar seus desafios e suas contradições.
Conseguir dar um sentido à própria existência não é algo que vem pronto, não há respostas vindas de fora que possam nos convencer de que viver vale a pena. A resposta a essa pergunta só pode ser dada por nós mesmos, a partir da elaboração da nossa experiência da realidade, à luz das exigências do nosso mundo interno. Em última análise a resposta é dada a partir do nosso Eu profundo (Self). Para alguns viver valeu a pena mesmo sendo reclusos em um campo de concentração nazista, como no caso do Pe. Kolbe, ou aprisionados quase que a vida inteira pela fúria da Inquisição, como no caso de S. João da Cruz. Para outros viver se torna insuportável e sem sentido, mesmo sendo rodeados do luxo, do dinheiro e do poder, como no caso de Getúlio Vargas ou de alguns astros do cinema ou da música, que se suicidaram.