Como escolher o caminho “certo”?
Um amigo meu de 24 anos, evangélico largou uma belíssima oportunidade de trabalho como executivo, porque o pastor da igreja disse que ele tinha de ser pastor. Ele acatou a decisão, mas está bem triste, ao que parece arrependido. Procura disfarçar dizendo que está muito feliz, mas como eu o conheço bem, sei que está mentindo. Devo conversar com ele ou deixar que ele mesmo descubra a burrada que fez? (Anônima)
A escolha da própria “vocação” é um processo extremamente pessoal e delicado. Isto vale para qualquer tipo de vocação, não apenas a religiosa. A interferência indevida da família, de um amigo ou de alguma pessoa afetivamente representativa pode confundir e levar a pessoa a tomar a decisão errada.
Quando falamos em decisão errada, a tentação é pensar que existe em algum lugar uma bola de cristal onde alguém pode nos dizer qual seria a decisão certa. No meu consultório percebo que frequentemente as pessoas agem como se existisse um roteiro pronto para suas vidas. Elas vivem se confrontando o tempo inteiro com esse roteiro imaginário, se perguntando se o que estão fazendo é certo ou errado.
Acredito que esse roteiro não está escrito, cabe a cada um de nós escrevê-lo, da melhor forma possível, descobrindo no dia-a-dia como será o próximo capítulo.
Mas por que somos tentados a buscar roteiros prontos? A resposta é simples: porque dessa forma nos sentimos eximidos da necessidade de nos responsabilizarmos por eles. Se alguém, seja quem for, nos diz que devemos fazer isso ou aquilo, de certa forma, nos sentimos aliviados. Obviamente se esse alguém se apresenta a nós revestido de algum poder “sobrenatural”, não importa se é um padre, pastor, pai de santo, médium, ou vidente, melhor ainda, a decisão “certa” terá a partir de agora a chancela divina ou do mundo “espiritual”.
Frequentemente esse alívio provisório da angústia é confundido com a paz que os grandes mestres espirituais atribuem à escolha inspirada. No cristianismo existe uma experiência espiritual muito rica que foi se delineando ao longo dos séculos, É uma pena que seja tão pouco conhecida e difundida no (nosso caso, bastaria pensar no “discernimento” ensinado por Inácio de Loyola). Os grandes mestres espirituais apontam um caminho de amadurecimento do espírito que não tem nada de banal e nem de bombástico. Invariavelmente ele passa pelos meandros da dúvida, do conhecimento e da aceitação dos próprios limites e das próprias fraquezas, da constatação que o encontro com a verdade e o amor nada tem a ver com o deslumbramento e a sensação de grandeza e de poder. Para o cristianismo o encontro com Deus é marcado por uma brisa suave e não pelos ventos fortes da tempestade.
Do ponto de vista psicológico, uma decisão é sempre errada quando alguém decide influenciado pelo ambiente, pressionado por circunstâncias externas, sem conseguir entrar em contato com o seu mundo interno e ali discriminar de onde vem o impulso de fazer isso ou aquilo.
Uma primeira dificuldade é nos livrar-nos das cobranças externas (no nosso caso tanto o inspirado pastor como a bem-intencionada amiga podem representar essa cobrança, pois ambos demonstram “ver” algo que o rapaz aparenta não ver).
Tanto parentes e amigos, como os que são investidos de alguma autoridade dentro das instituições devem agir com prudência e desprendimento, ajudando a pessoa a buscar em si a decisão certa, pois ela não está gravada em nenhum pergaminho mágico.
O segundo momento, é mais difícil ainda, pois o próprio mundo interno, o inconsciente, é atravessado por instâncias de diferente tipo que podem nos confundir. Uma delas é o representante interno das cobranças externas. O superego não é menos exigente que o mais exigente dos vendedores externos de verdades prontas. É ele que “idealiza” um roteiro de perfeição e que o compara a toda hora com o pobre roteiro que nós de fato conseguimos escrever com nossa escassa inspiração.
O nosso mundo interno é marcado por conflitos (isso é de certa forma normal); difícil é tentar conciliá-los e entender que sentido atribuir às contraditórias solicitações internas. No meio disso tudo o desafio é aprender a distinguir o que faz sentido e o que não faz sentido “para nós”, a partir do nosso Eu profundo (Self), onde está depositado o nosso DNA psíquico, ou seja a possibilidade de atribuir um sentido à nossa existência, a partir de nossos valores éticos e estéticos e de nossos desejos mais profundos.
{jcomments on}