Cesare Battisti e Jaqueline Roritz

 “Não me arrependo de nada” é a surpreendente declaração dada à revista Istoé por Cesare Battisti, o ex-terrorista italiano que o Brasil se recusou a extraditar, questionando a “legitimidade” da sentença condenatória emitida pelos tribunais italianos.

Sem querer entrar na discussão (que não me cabe) sobre o proceder jurídico dos nossos governantes e do Supremo Tribunal Federal brasileiro, o que chama a atenção é a postura deste meu compatriota diante das consequências dos seus atos.

Cesare Battisti era membro do grupo armado de extrema esquerda Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) que atuava na Itália no fim dos anos1970

. Em1987 Battisti foi condenado pela justiça italiana à prisão perpétua pela autoria direta ou indireta dos quatro homicídios atribuídos ao PAC, além de assaltos e outros delitos menores, também atribuídos ao grupo.

Em 2009, quando ainda se discutia sua extradição, Battisti declarou à revista Istoé que era inociente, agora, tranquilo sob o amparo da justiça brasileira, ele diz que não se arrepende de nada. Quem é inocente não tem nada para se arrepender, se ele acha que tem algo para não se arrepender, é porque é consciente que algo fez.

O caso Battisti volta à tona no dia em que a deputada Jaqueline Roritz foi absolvida no processo de cassação do seu mandato em votação secreta no plenário da Câmara brasileira. Para quem não acompanhou, Jaqueline Roriz foi absolvida da acusação de quebra de decoro parlamentar por 265 votos a favor e 166 contra. A deputada foi filmada, em 2006, recebendo dinheiro de Durval Barbosa, delator do esquema do mensalão no DF. Em sua defesa, argumentou que o fato ocorreu quando ela ainda não era deputada federal.

Estamos mais uma vez diante de um fato curioso. O que se questiona não é a coisa em si, mas o fato que a indiciada não era ainda deputada na época. O fato de ter participado do esquema criminoso antes de fazer parte do Parlamento, não romperia o decoro parlamentar. Pelo menos é o que entendem os que votaram pela absolvição.

Gostei da expressão usada pela jornalista Lúcia Hippolito na CBN, ao comentar o episódio: “A Câmara se tornou uma pia batismal onde todos os pecados são lavados”. Infelizmente não se aplica somente à Câmara, mas ao Brasil como um todo, como demonstra o caso Battisti.

O que chama a atenção do ponto de vista da psicanálise é a maneira como se tende a lidar com a realidade. Trata-se de uma manipulação sutil do real (da coisa em si). A realidade passa a ser apenas um elemento secundário, que pode ser retirado da pauta a qualquer momento, de acordo com o interesse do observador.

Do ponto de vista psicológico, estamos diante de algo que remete a uma doença: a perversão, que Freud classificava como próxima da psicose, justamente pela maneira como o perverso lida com a realidade. Em 2009 Battisti era inocente, ou seja, não era culpado pelos crimes que lhe foram atribuídos pelo tribunal italiano, hoje ele não se arrepende do que fez, ou seja, o que ele fez faria novamente pois na sua opinião não é crime. Quem decide é ele.

Da mesma forma a deputada Jaqueline Roriz não está sendo julgada pelo fato em si, mas pela formalidade temporal do fato ter sido cometido antes de ser eleita deputada federal. A eleição absolveu todos os pecados e sem direito á penitência. Quanto ao fato em si, ninguém está nem aí.

De tanto fingir que a realidade não existe, será que vamos acabar acreditando na realidade que não existe?

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