Capacidade de estar so

Muitas vezes, sinto vontade de estar so, longe da multidão e até da companhia dos amigos. Isso é um problema? João – Campinas (SP)

É difícil imaginar a nossa época sem barulho e sem as aglomerações dos Shopping Centers, das baladas, dos shows de massa e das raves. Mesmo para quem não é chegado a freqüentar esses lugares, o networking (criar uma rede de conhecidos no trabalho) tornou-se um imperativo. Não participar de um Happy Hour com os colegas pode ser considerado um erro e resultar em um ponto a menos na avaliação de fim de ano da empresa.

Tanto o lazer como o trabalho são mundos onde não há espaço para a solidão. Geralmente, tudo parece destinado a favorecer encontros, aglomerações, agito. Quem tende a se isolar é considerado um cara esquisito, que, provavelmente, acabará sendo posto de lado e até discriminado. Mas afinal, a vontade de ficar sozinho é realmente um problema?

Para responder a essa pergunta devemos distinguir entre duas situações completamente diferentes. Podemos sentir “vontade de ficar sozinhos” porque queremos mergulhar em nós mesmos e curtir o nosso mundo interno, ou então podemos querer nos isolar apenas para nos fechar em nós mesmos. O primeiro movimento é dominado por uma sensação de prazer, o segundo por um sentimento melancólico de solidão. No primeiro caso estamos exercendo uma necessidade do nosso psiquismo, exercendo a capacidade de estar sós. No segundo caso estamos sendo capturados por uma profunda sensação de solidão.

A experiência da “capacidade de estar só” é erótica, prazerosa, pois é dominada por um movimento psíquico que se destina a “investir” objetos vivos que habitam o nosso mundo interno.

Trata-se de objetos ligados aos diferentes aspectos da nossa personalidade, aos nossos valores (nossa ética) e a tudo o que consideramos “belo” (nossa estética). São os nossos objetos “cintilantes”, que nos remetem a partes importantes da nossa personalidade (self), onde convergem nossas memórias emocionais e nossas raízes culturais, religiosas e étnicas. E o caso, por exemplo, de quem se isola para ler um livro, tocar um instrumento musical, realizar um trabalho manual, curtir sua música preferida, um bom filme, um passeio no meio da natureza, ou nas ruas da cidade.

A experiência de estar só traz uma sensação de satisfação, de plenitude e é percebida como sendo enriquecedora para a alma. Esses mergulhos no nosso mundo interno são extremamente importantes para a psique, pois nos permitem entrar em contato com a força do nosso núcleo vital, o Self, que energiza e da sentido à nossa vida. É a partir desse núcleo que a nossa força criativa é posta em movimento nos lançando em direção ao mundo externo. Trata-se portanto de uma experiência que impulsiona para a vida e a criação.

A experiência do isolamento tem uma característica completamente diferente. A sensação dominante é de paralisia. O mundo externo é olhado de uma forma melancólica e, provavelmente invejosa. Há contudo um prazer mórbido em ficar nessa posição solitária de exclusão e de esvaziamento interno.

É evidente que neste caso estamos diante de um problema psíquico que merece atenção e que gera incômodo para a vida, pois paralisa, impede a espontaneidade e o gesto criativo, além de atrapalhar o convívio com os outros. Se este for o caso, seeria aconselhável recorrer á ajuda profissional.

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