Estava andando pelo shopping e me deparei com dois homens se beijando. Particularmente não sei como viver com esse tipo de atitude, acho muita falta de respeito. Tenho muita dificuldade de lidar com esse tipo de coisa. Qual a opinião do senhor sobre isto? (Maria Nazaré da Silva, Passa Quatro – MG)
A repugnância instintiva que um heterossexual sente pelas manifestações de afeto entre pessoas do mesmo sexo é perfeitamente compreensível, assim como é compreensível a mesma repugnância que alguns homossexuais sentem por manifestações de afeto entre pessoas de sexo oposto.
A orientação sexual, contrariamente ao que alguns acreditam, não é uma questão de opção. Como diz um paciente meu, se ser homossexual fosse uma escolha, ninguém seria. Ser homossexual não é fácil por várias razões, a situação de exclusão social que essa condição acarreta é apenas uma delas.
A experiência clínica mostra que o homossexualismo é uma questão instintiva, ligada à processos inconscientes, geralmente determinados por situações psíquicas complexas. O homossexual autêntico não pode se conceber em uma relação heterossexual. É contudo difícil para quem não pertence a esse universo perceber a complexidade do fenômeno e suas diferentes manifestações. Não se trata de fato de um fenômeno unívoco. Os próprios homossexuais se agrupam em diferentes grupos e não é raro um grupo não se identificar com a maneira de ser de outro grupo.
Alguns homossexuais, por exemplo, não gostam de se exibir em público. Outros já gostam desse tipo de provocações, que podem representar um protesto contra a discriminação e uma forma de militância a favor da causa gay, contra a homofobia. Alguns homossexuais masculinos têm trejeitos femininos, outros, ao contrário, gostam de exibir corpos malhados, cuidados, com características bem masculinas. Alguns gostam de um estilo elegante e sofisticado, outros gostam de exibir corpos tatuados, cabeças raspadas e usar roupas mais informais (os assim chamados “ursos”).
No âmbito feminino o fenômeno é parecido. Algumas mulheres homossexuais são bem femininas, outras são mais masculinizadas. A forma de vestir é elegante, sensual e sofisticada em alguns casos, mais desleixada em outros casos. Algumas gostam de andar de mãos dadas em público, outras não gostam de se exibir.
Alguns homossexuais costumam ter episódios de envolvimento heterossexual, outros não. Alguns são homossexuais a vida inteira, outros não. Da mesma forma há heterossexuais que viveram episódios de envolvimento homossexual (bissexuais) e homossexuais que chegaram a viver essa condição depois de anos de matrimônio.
Embora não disponha de dados estatísticos que comprovem a minha tese, acredito que as características do homossexualismo feminino e masculino sejam levemente diferentes, podendo haver com mais facilidade casos de homossexualismo feminino episódico (deveríamos falar neste caso de bissexualismo), enquanto o masculino costuma ser mais definitivo.
De qualquer forma, o mundo homossexual é um universo que representa uma fronteira desconhecidas para o heterossexual. Na experiência clínica pude comprovar isso sobretudo cuidando de pais com filhos homossexuais. A fase mais dolorosa é quando eles percebem que o filho vive uma experiência irredutivelmente diferente de tudo o que eles vivem e sentem. O filho se torna para eles um verdadeiro desconhecido, quase um Álien. Introduzi-lo novamente no seu universo emocional como filho é em alguns casos um desafio que pode requerer um esforço psíquico considerável.
O homossexual, o bissexual, o transexual e o heterossexual são mundos que convivem na grande galáxia do humano. Mundos distantes, diferentes, ás vezes incomunicáveis, às vezes próximos, mas, de qualquer forma, todos são manifestações do humano e, como tais, devem ser compreendidos e acolhidos, sem julgamento.