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Aprender a lidar com o erro

Creio que aprender a lidar com os próprios erros seja mais importante do que se preocupar obsessivamente de não errar. No entanto é um fato: não é fácil para o nosso psiquismo lidar com o erro. Geralmente a primeira reação é negá-lo, minimizá-lo ou justificá-lo.

Vamos tentar entender o porquê dessa dificuldade. Existe dentro da nossa mente uma imagem de nós mesmo idealizada. Não é que o nosso psiquismo acredite que nós sejamos realmente o equivalente a essa imagem, muito pelo contrário. Trata-se de um modelo, uma medida, um termo de comparação ao qual a nossa mente se refere constantemente, cobrando a adequação ao que projetamos nessa imagem. Nela confluem traços construídos a partir do “olhar” dos pais, tradições familiares, injunções éticas do meio, aspectos morais de caráter religioso, usos e costumes do lugar onde nascemos ou de onde nossos pais vieram, etc.

Para entender melhor do que se trata, podemos imaginar uma tela de cinema na qual o nosso inconsciente projeta uma imagem idealizada de nós mesmos. Algo como um Eu Ideal, para usar um termo empregado por Freud, construído a partir de todos os elementos acima mencionados.

É bastante comum sermos habitados pela sensação de que existe uma distância mais ou menos profunda entre essa imagem e aquilo que percebemos de nós mesmos, ou aquilo que o mundo aparenta espelhar como sendo a “realidade” de nós mesmos. Quando alguém ou alguma situação nos aponta um “erro”, sentimos uma sensação desagradável, como se alguém dissesse: “Você não é o que pensa”. Existe portanto uma percepção mais ou menos consciente de não corresponder ao Eu Ideal que foi projetado na mente.

As reações internas a essa percepção podem ser bastante diferentes, tanto em intensidade, como na sua forma. Para alguns, são apenas uma pontada, que não chega a incomodar, para outros são como uma facada nas costas, que dói profundamente.

Alguns conseguem “manipular” internamente a realidade e passar por cima do desconforto gerado pela percepção do erro, outros, mesmo quando se defendem tentando provar que não erraram ou justificando seu erro, acabam ficando arrasados ao constatar o quanto são inadequados.

Na realidade, quem aceita o desafio de “viver” está exposto ao erro. Só não erra quem desiste de viver e fica olhando desdenhosamente a vida passar, geralmente julgando os outros por errarem e serem tão inadequados e ridículos. Talvez esse seja, do ponto de vista psíquico, o maior “erro” que alguém possa cometer, embora falar de erro nesse caso não faça muito sentido pois trata-se de atuações inconscientes, que fogem do controle consciente da pessoa.

A condição humana remete inevitavelmente à possibilidade de errar. Ninguém nasce com um manual de uso ou com um “script” já pronto que diga qual é a forma “certa” de viver. Todos nascem com um livro em branco em baixo do braço, no qual cada um começa a rabiscar os primeiros rascunhos de si mesmo, até que, aos poucos, aprende a escrever com mão mais firme e inspirada o que realmente descobriu de si mesmo.

Só não erra quem, fascinado pela imagem narcísica que ele mesmo construiu de si, fica contemplando essa imagem sem “escolher” nada, vivendo apenas as escolhas “obvias”, as escolhas “certas” que lhe são impostas pelo meio. É uma forma de continuar protegendo a imagem de si mesmo, que ele fica lustrando e embelezando todo dia, como alguém que compra um belo carro que fica contemplando na garagem sem nunca usá-lo, para não empoeirá-lo.

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