A patologia do corpo ideal

{jcomments on}Com a morte recente de uma modelo, vitima da anorexia, a doença voltou a ser destaque. O meio em que a pessoa vive, pode realmente originar um distúrbio tão grave como esse? No caso das modelos, a moda pode ser culpada? Maria Carolina, do Rio de Janeiro

 

Jovem e bonita, com um corpo de fazer inveja à maioria das mulheres, Ana Carolina  morreu porque se achava gorda e já não via futuro para a sua carreira de modelo no competitivo mundo da moda. Podemos dizer que morreu de fome, na tentativa de chegar ao “corpo ideal”, o corpo que o mundo da moda tomou como padrão de elegância e “beleza” feminina. Trata-se de um objeto de consumo e, portanto, de um objeto de desejo de muitas mulheres. Uma poderosa indústria se movimenta por trás desse “sonho” vendido por revistas, outdoors, comerciais de marcas famosas e pela mídia em geral. Um multiplicar-se de academias e produtos de todo tipo estão voltados para a “construção” do corpo ideal.

Embora esse contexto direcione o comportamento das pessoas, a influência somente é possível se houver por trás uma estrutura psíquica que lhe dê sustentação. É necessário que a pessoa “deseje” ter um corpo mais bonito para que ela possa se submeter aos “sacrifícios” que isso exige. É bastante comum observar, em uma determinada fase da terapia, que o paciente começa a cuidar mais de si mesmo, de sua maneira de vestir e do seu próprio corpo. Este é um movimento saudável, de apropriação do corpo e uma nova abertura para a possibilidade de cuidar de si mesmo.

Se este movimento é saudável e de certa forma desejável, o mesmo movimento pode ser patológico se não se origina de um desejo interno da pessoa e sim de um desejo comprado como se fosse próprio. A anorexia e a bulimia estão relacionadas a esse tipo de patologia e estão relacionadas à relação negativa que o indivíduo tem com o próprio corpo e, em última análise, consigo mesmo. 

A novela da TV Globo “Páginas da vida”, ao abordar esse tipo de problema, nos oferece uma pista para compreender os processos inconscientes que estão por trás desse tipo de distúrbio, sobretudo porque nos permite reconstruir um histórico de como a doença surgiu. Desde a infância, Giselle, hoje adolescente, teve que lidar com uma mãe ansiosa e invasiva, obsessivamente preocupada com a alimentação e com o “corpo” da filha, que tendia a ser “gordinha”. Por trás dessa preocupação estava um “sonho” frustrado. A mãe sempre quis praticar balé clássico. Como não conseguiu realizar seu sonho, resolveu “vende-lo” para filha, projetando nela seus  desejos.

A novela não nos permitiu acompanhar os primeiros cuidados de Giselle, mas é fácil induzir o quanto devam ter sido marcados por rotinas impostas pela ansiedade da mãe  e não pelas necessidades do bebê. Enfim, a filha nunca se sentiu “enxergada” pela mãe pelo que ela é. A única filha que a mãe via era uma projeção dos seus desejos e não a verdadeira Giselle.

A necessidade de não se alimentar e de vomitar o que foi ingerido, surge de dois problemas internos. Em primeiro lugar Giselle não consegue gostar do próprio corpo, que, evidentemente,.não é aquele de uma dançarina de balé clássico. Embora seja bonita e não seja gorda, sua complexão física não é do tipo longilíneo, suas formas são arredondadas. O fato é que o corpo de Giselle não é o corpo que a mãe deseja para ela. É como se, ao espelhar-se na mãe, ela visse outra Giselle, com outro corpo, diferente do dela, sempre percebido como “inadequado”. De nada vale agora que é adolescente perceber que um menino gosta dela e a própria mãe dizer que não é gorda. O inconsciente continua ouvindo a fala da mãe “interna”, separada da mãe real. A mensagem continuará prevalecendo, até que a própria Giselle se dê conta disso e consiga “se separar” da mãe interna, provavelmente tomando também maior distância da mãe real

A segunda razão é que essa mãe que a alimentou nos primeiros meses de vida é tão “indigesta”, que deve ser “vomitada”. Tudo o que é “ingerido” pela menina tanto fisicamente como psiquicamente deve ser expelido, porque é percebido como aversivo, não “bom”. Provavelmente, o vínculo que ela está estabelecendo com o terapeuta a ajudará a perceber que há alimentos bons que podem ser ingeridos e a reverter esse processo inconsciente.

Enfim todos torcemos pela Giselle e pelas inúmeras “Giselle” da vida, empenhadas nessa luta.

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