A Divina Comédia: os desafios da meia idade

“No meio do caminho de minha vida me encontrei em uma selva obscura, pois o caminho reto estava perdido”. Com esta constatação Dante Alighieri começa a sua Divina Comédia, uma viagem mística que o levará às três dimensões da existência, o inferno, o purgatório e o paraíso.

A selva obscura costuma se apresentar justamente na meia idade, quando a ilusão do “gozo sem fim” se dissipa. É o momento em que a alma humana começa a sua viagem em direção ao inferno, para passar para um renovado processo de amadurecimento que envolve a aceitação da castração (purgatório), e, finalmente, se tudo der certo, alcançar o paraíso da contemplação serena, guiados pelos aspectos femininos (a Beatriz dantesca).

O portal do inferno da meia idade se apresenta diante da inexorável insistência da realidade em mostrar que a vida está pedindo para desistir dos próprios sonhos, desejos, ilusões, inclusive daquela de querer dar conta daquilo que, até antão, era considerado como um dever ineludível.

Assim como Dante Alighieri, o ser humano se depara com Caronte. o “barqueiro demoníaco, “com olhos de brasa”, que o leva para atravessar o rio dos mortos (o Aqueronte); lá o portal dos infernos aguarda, intimando os que entram a perder toda esperança.

A meia idade se apresenta justamente como um momento de declínio da esperança e das ilusões. A percepção da finitude do corpo, que começa a apresentar seus sinais de decadência, apesar dos esforços para evita-lo, bem como a percepção da própria limitação e da limitação daqueles que ocupavam um lugar especial no imaginário subjetivo, muitas vezes confundido com o lugar do “objeto primário” (a mãe imaginária, o objeto subjetivo dos winnicottianos ou o “objeto A dos lacanianos). A esposa, os filhos decepcionam e deixam definitivamente de ocupar esse lugar subjetivamente criado pela nossa mente, para se apresentar como definitivamente “outros”, objetivamente objetivos, inalcançáveis em sua opaca “objetividade”.

Começa assim a viagem pelo purgatório que supõe a aceitação do limite e da impossibilidade de ser tudo, de fazer tudo e de ter tudo. É a angustiante viagem pelo mundo das escolhas, visitando a liberdade de morrer, pois, como diz Sartre, ao escolher algo, morremos para aquilo que deixamos de lado.

E o “paraíso”? Talvez a contemplação de Deus consista em apenas perceber que a nossa existência subjetiva é insignificante diante dos abismos do Todo. Uma insignificância porém que permite “nos abandonar” nos braços da Vida

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