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A busca do corpo perfeito

A busca do corpo perfeito é incentivada de várias maneiras e se torna para alguns um objetivo de vida. Pouco tempo atrás, um conhecido colunista lamentava constatar que, na pequena cidade do interior que ele frequentava, o número de livrarias tinha caído sensivelmente, enquanto o número de academias tinha explodido. O multiplicar-se de produtos de beleza, de SPAs, academias e de tratamentos que visam os cuidados físicos são sinais de quanto o “corpo perfeito” tenha se tornado um objeto de consumo que sustenta uma lucrativa rede de negócios.

Em contraposição a esse fenômeno, dados estatísticos recentes apontam para um preocupante crescimento da população obesa em nosso país (incluindo crianças), um fenômeno preocupante para a saúde pública que já tinha sido detectado em outros países desenvolvidos.

Tudo isso mostra o quanto a relação com o corpo seja complexa e, em alguns casos, problemática. A experiência de “habitar” um corpo, apesar de parecer espontânea, depende de algumas condições ligadas aos cuidados que o ser humano recebe desde o seu nascimento.

Ao nascer, o bebê de fato não tem noção do próprio corpo. Ele nasce em um estado psíquico de fragmentação, se sentindo cindido, embora tenha inscrito no próprio psiquismo um potencial de integração, que, para se desenvolver, precisa da participação ativa da mãe e do ambiente.

É através dos cuidados maternos que envolvem o seu pequeno corpo (pegar no colo, levantar/baixar, higiene, etc.) que ele vai desenvolvendo, em um primeiro momento, a sensação de “ter” um corpo e, sucessivamente, de “ser” um corpo.

Ter um corpo não é igual a ser um corpo. O ter um corpo ainda supõe uma separação entre o Eu e o corpo, enquanto ser um corpo indica a possibilidade do Eu habitar o seu corpo.

É no tratamento dos obesos que mais aparece a triste condição de ter um corpo. Sem querer minimizar eventuais fatores genéticos, do ponto de vista psíquico, geralmente o obeso não habita o seu corpo. Poderíamos quase dizer que é habitado por ele, como um encosto. Ele levanta de manhã e veste o seu corpo, como uma roupa gasta e pesada, para arrastá-lo com ele o dia todo.

Por outro lado, a idealização do corpo perfeito também pode se inscrever na experiência de ter um corpo. O corpo ideal passa a ser um “objeto” de consumo, algo separado do Eu. Por alguns é percebido como algo a ser perseguido e não como uma forma harmoniosa de ser si-mesmo. Na experiência clínica percebo por exemplo como, para muitos, ir á academia seja mais uma obrigação persecutória do que um momento prazeroso de encontro consigo mesmo.

Desenvolver uma relação saudável com o próprio corpo supõe poder se sentir vinculados a ele e poder escutar suas mensagens que nos dizem exatamente quais são suas necessidades. Obviamente, esta escuta não é sempre possível. Ela pode ser conturbada por ”necessidades” inconscientes, que atrapalham nossa relação com o corpo e impedem a escuta. A terrível sensação de vazio proporcionada pela depressão ou, pior ainda, pela melancolia pode, por exemplo, ser compensada por uma “necessidade” de comer de maneira desregulada.

Em contrapartida, uma fixação narcísica pode levar ao extremo oposto, que é a fixação no corpo como um fetiche, que substitui a apropriação de si-mesmo. Mais uma vez, o nosso inconsciente está mais presente do que pensamos em tudo o que fazemos, inclusive nos cuidados com o nosso corpo.

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