A ausência do outro

No primeiro capítulo do seu livro “A agonia de Eros” Byung-Chul Han associa melancolia, depressão, narcisismo e ausência do Outro. É importante ressaltar o lugar que ele atribui ao outro, por ele entendido como alguém que pode nos surpreender a partir de um lugar inesperado, imprevisível, que ele denomina atópico, literariamente um lugar sem lugar… Creio que nesse termo está a intuição mais profunda do autor.

O outro atópico, parece remeter de alguma forma ao grande Outro de Lacan. Indicando uma contraposição absoluta entre o Eu/Sujeito e o Outro. Um lugar onde o outro aparece como o “totalmente outro”. O texto do filósofo coreano nos desafia: para ser investido pelo amor erótico o outro precisa ocupar esse lugar, a partir do qual nos surpreende e nos seduz com sua alteridade. Na ausência da experiência da alteridade nesse sentido radical temos a agonia de Eros e o império opressor do narcisismo.

Isto parece ser exatamente o contrário daquilo que espontaneamente esperamos do outro, ou seja, que ele esteja exatamente lá onde esperamos que esteja. Quando ele nos surpreende não estando onde esperávamos que estivesse, ficamos irritados, decepcionados, nos sentindo rejeitados, abandonados; Quanto mais a nossa organização psíquica estiver pautada no narcisismo, mais nos sentiremos traídos, decepcionados e, às vezes, até “destruídos”, por essa presença de um “objeto estranho” em nossa vida. A organização narcísica de nossa personalidade, de fato, não admite a confrontação com o outro atópico, pois ela tende a “incorporar” (devorar) o outro, atraindo-o para dentro de si, fazendo com que o próprio Eu também resulte destruído por essa incorporação.

A operação de incluir esse outro atópico, supõe uma abertura que inicialmente parece assustadora. Citando um texto literário, Han a compara à ausência de Deus, a um estado de vazio absoluto. Mas se esse estado de suspensão puder ser suportado, a experiência pode nos abrir para uma percepção extática de uma realidade que amplia o nosso olhar até os limites perceptíveis do infinito.

Usei a expressão “puder”, pois isso supõe um psiquismo suficientemente estruturado (constituído) para tanto. Falhas na organização narcísica primária (primitiva), afetam essa capacidade de suportar a “alteridade”. O fato dessa falha narcísica ser largamente difusa, faz com que o narcisismo tenha se tornado uma atitude dominante, “normal”, levando-nos à rejeição do outro, sobretudo quando ele aparece como o grande Outro que fica além de nossa compreensão, nos convidando para encontrá-lo em um lugar assustador, sem lugar… É quando o outro se torna o estrangeiro na sua acepção mais ampla…. Esse Outro só pode ser o inimigo.

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