A tristeza foi banida na sociedade do espetáculo. O que dá “audiência”, tanto nas redes sociais como na mídia, é a tragédia, a raiva ou então a euforia. A tristeza é um sentimento morno (termo cuja fonética curiosamente remete ào verbo inglês mourn que indica um estado profundo de tristeza, geralmente ligado ao luto). A tristeza não se impõe, não dá audiência, gera incômodo, remete à fragilidade humana.
Em um interessante artigo publicado pelo jornal espanhol El País sob o título “Na política, mesmo os crentes precisam ser ateus”, a jornalista Eliana Brum, se referindo à manifestação do dia 13 de março, observa: “a angústia, no Brasil de hoje, se dá também pela vontade de acreditar que algo é verdadeiro num cotidiano marcado por falsificações”. O artigo é um convite a “suportar essa angústia”, evitando os perigos da fé cega (neste caso fé partidária), que, além de favorecer uma perigosa e estéril polarização do cenário político, tem a finalidade de aliviar a angústia, evitar a tristeza e inibir o senso crítico, ou seja, o pensamento.
Temos o direito à tristeza, porque temos o direito de pensar. O renomado psicanalista inglês, W. R. Bion coloca como condição para a formação do pensamento a capacidade de suportar a angústia e a frustração gerados pela “turbulência emocional”. Trata-se de um estado de suspensão do pensamento, de fragmentação interna e de fragilização do Eu, diante dos desafios advindos da realidade externa, que não pode ser harmonizada com a realidade interna.
Todo processo criativo é precedido por esse “escurecimento da mente”, por um estado de crise, marcado por uma sensação de angústia diante da frustração que a realidade impõe, por não se dobrar à necessidade que a nossa mente tem de captura-la em formas conhecidas e portanto tranquilizadoras, mesmo que, para conseguir isso, tenha que aplicar severas mutilações ao que a realidade apresenta..
Como frisa Eliane Brum, desse processo nascem santos e demônios, os certos e os errados, o bem e o mal, numa simplificação da realidade, cujo único objetivo é amenizar a angústia e o medo. Um estado de ânimo que gera o sintoma fusional que permite ao “crente” se fundir com os símbolos de sua fé de forma acrítica, gritando para o mundo “Eu sou….”, coloque-se aí qualquer coisa ou pessoa idealizada.
Suportar a tristeza e a angústia da suspensão do pensamento, algo proibido pelos gurus da autoajuda, é portanto o único caminho para gerar o pensamento criativo e fugir dos pólos opostos que nos atraem como canto das sereias, a recusa psicótizante do embate com o real — que geralmente desagua em processos de fuga alucinatória, ou em leituras paranoicas da realidade –, ou o fusionamento com algum objeto externo, seja ele pessoa, partido, notícia, crença política.