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À descoberta do próprio dom: o Self

Não consigo descobrir qual é o meu dom. Amo meu trabalho, mas tenho ciência que aquilo que realizo foi desenvolvido, eu sei a técnica, eu gosto, mas não acredito que seja o meu dom. Como articulo em mim uma reflexão que me leve a descobrir tal questão? Sei que Deus tem uma missão para cada um e não devemos passar por essa vida como apenas mais um.(anônimo)

Certamente alguém poderá dizer que minha visão é fantasiosa, talvez forçada, mas eu gosto de pensar que, quando um ser humano nasce, não importa se ele é rico ou pobre. branco, amarelo ou negro, cristão, muçulmano, judeu ou budista, um novo dabar divino é lançado no universo. O dabar é a palavra criadora de Deus. A alma humana contém uma centelha dessa força criadora divina. Um dos grandes pensadores cristãos dos primeiros séculos depois de Cristo falava em sementes do Logos (Palavra) divino. Creio que ambos queremos aludir a uma presença do divino que se prolonga na criação e, em particular, no ser humano.

Admitindo essa dignidade da alma humana, faz sentido pensar que a descoberta da missão de cada homem ou mulher está associada a essa presença do divino nele(a). Acredito que ninguém nasce com um “manual”, no qual estaria supostamente descrito o que está destinado a realizar no decorrer de sua vida. O nosso dom e a nossa missão não podem ser procurados fora de nós e sim dentro do sacrário de nossa alma, onde somente nós podemos entrar em contato com a centelha da presença do divino que nos habita.

Em termos psicológicos, a noção de Self (Si-mesmo) vem de alguma forma ao encontro dessa visão teológica. Já disse em outros artigos que a Psicanálise e a Filosofia em geral têm dificuldade de definir com exatidão o conceito de Self. Há diferentes visões a esse respeito, inclusive alguns autores (poucos) tendem a ver mais de um self na composição do psiquismo humano. Apesar dessa discordância, de maneira geral, o Self pode ser considerado como o eixo em torno do qual se organiza a personalidade do sujeito, definindo sua individualidade. Pessoalmente tenho dificuldade em admitir que possam existir vários Selves, pois seria uma contradição em termos, já que estamos falando da instância psíquica que constitui o sujeito em si-mesmo.

No Self se organizam aspectos que constituem o sujeito e que são uma original elaboração de elementos pessoais, bem como de elementos herdados do ambiente familiar e do meio cultural ao qual a pessoa pertence. No Self, o sujeito encontra seus objetos cintilantes, ou seja, objetos psíquicos aos quais a pessoa confere particular valor, justamente a partir dos elementos que o constituem em sua individualidade e dos elementos ambientais assimilados como próprios.

Ao harmonizar dentro de si esses aspectos o ser humano constrói duas referências importantes que orientam a sua maneira de “estar” no mundo. Uma diz respeito aos padrões éticos que o dirigem e outra aos padrões estéticos. Todo ser humano de fato é orientado por uma ética própria que dirige o seu agir e a sua postura em relação aos outros, mais ou menos em sintonia com os valores éticos ditados pelo ambiente, e por uma estética de vida, ou seja, por aqueles valores que definem o que ele considera belo, harmonioso, equilibrado, etc.

A forma de estar no mundo de cada um de nós se define a partir desses elementos internos. Ninguém pode nos dizer como é essa maneira a não ser nós mesmos, entrando em contato com essa instância interna que nos constitui. É justamente nisso que consiste a dificuldade: entrar em contato com nós-mesmos, com o si-mesmo. A tentação para a maioria é procurar fora de si, os sinaleiros que apontam um rumo na vida. Trata-se de um erro fatal, pois tais sinaleiros só podem ser encontrados em si-mesmo, na escuta atenta do próprio mundo interno.

Estar em contato com o próprio Self supõe a capacidade de diferenciá-lo das expectativas dos outros, por nobres e sensatas que pareçam e de ouvir suas sutis insinuações, suas orientações silenciosas, seus palpites, suas intuições. A partir dessa escuta, poderemos descobrir qual é o nosso “lugar no mundo”, independentemente dos lugares que a sociedade ou as expectativas do ambiente nos destinam, Nossa missão, nossa vocação e o nosso Self estão intimamente ligados. Perceber essa ligação é uma tarefa que nos vai manter ocupados a vida inteira.

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