O quanto a voz mais grave ou aguda pode dizer de uma outra pessoa?
Embora a voz de uma pessoa possa nos dizer muito pouco sobre o seu mundo interno, a não ser talvez através de mudanças repentinas do tom, a pergunta nos permite acessar a necessidade inconsciente que levou à sua formulação. Diante do mistério do Outro, precisamos desesperadamente poder encaixá-lo em algum lugar na estante dos nossos pré-conceitos, pondo nele uma etiqueta.
Uso o termo pré-conceito para me referir literalmente a algo que vem antes do conceito, ou seja, a um conceito que antecede o pensamento. O pré-conceito é um caminho facilitado, que nos dispensa da dificuldade do “pensar”.
Se eu pudesse responder de forma precisa á pergunta do nosso leitor, provavelmente ele teria uma pista: Fulano tem a voz grave então é assim ou assado. Sicrano tem a voz fina, então ele é assim ou assado. Pronto, isso o isentaria de enfrentar a angústia de ter que pensar algo impensável: o mistério do Outro.
Obviamente no dia-a-dia dificilmente escapamos da necessidade de formular “pré-conceitos” a respeito de alguém. Neste caso não se trata necessariamente de uma avaliação depreciativa do outro. Pode ser também uma avaliação um tanto “idealizada” do outro. Em ambos os casos o pré-conceito nos impede de ter acesso ao Outro no seu angustiante mistério.
Suspender o pré-conceito é difícil e angustiante também porque, uma vez que eu construo um discurso a respeito de alguém, estou também construindo um discurso a meu respeito, baseado na relação que esse alguém tem comigo. Se uma pessoa tida como interessante é legal comigo, provavelmente tenderei a considerá-la ainda mais legal e o fato de alguém legal ter consideração comigo poderá confirmar uma imagem positiva de mim mesmo, reforçando o investimento que o Eu faz em si mesmo.
Por outro lado, se alguém não é relevante para mim, porque não o considero uma pessoa interessante, simpática e portanto “legal”, isso faz com que me preocupe menos com sua opinião a meu respeito.