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A cigana leu meu destino

Uma cigana leu a minha mão e adivinhou toda a minha vida. Depois quando perguntei sobre o futuro, ela disse que eu teria que juntar muito dinheiro, porque iria parar de trabalhar cedo. Fiquei muito preocupada, com a resposta, porque, só tenho 25 anos, Será que será logo?  Ela não me deu mais detalhes. Agora não consigo mais tirar isso da cabeça imaginando o que acontecerá comigo? Isto está afetando o meu trabalho e as minhas relações, estou desmotivada para a vida. O que eu faço para tirar isso da cabeça? Roberta Almeida – São Paulo (SP)

A questão proposta não abrange especificamente o campo de estudo da psicanálise. Talvez a parapsicologia tenha respostas mais pertinentes, mas é uma área que não domino. Tentarei responder a partir de experiências pessoais, levantando algumas hipóteses que podem fazer sentido para a psicanálise e, espero, também para a nossa leitora.

Tempo atrás uma amiga insistiu para que contatasse uma cartomante que ela achou séria. Apesar de eu ser absolutamente cético em relação a esse tipo de práticas, queria entender o que acontece no plano psíquico nesse tipo de consultas e resolvi ir.

Foi uma experiência muito curiosa. A cartomante tentava a toda hora verificar se o que ela dizia fazia algum sentido para a minha vida e eu, como tinha me proposto, ficava absolutamente calado. Mesmo assim, ela conseguiu dizer algo, que, no fundo, não trazia nada além do que eu mesmo já sabia, mesmo assim sem alcançar questões pessoais mais profundas.

Podemos supor que, se o sensitivo não for um charlatão e for realmente dotado de algum tipo de percepção ampliada, talvez consiga acessar intuitivamente aspectos do subconsciente que, por razões emocionais, estão aflorados na pessoa que busca sua ajuda. Este fenômeno é bastante comum com pacientes psicóticos, que são dotados de uma percepção ampliada do inconsciente. Desprovido dos freios inibitórios da consciência e do princípio de realidade, o inconsciente tem de fato uma percepção ampliada e instintiva do ambiente externo. Poderíamos associar a esse fenômeno a capacidade do sensitivo de “ler” o inconsciente do outro.

Um episódio na vida do psicanalista inglês D. W. Winnicott confirma esse fato. Durante uma sessão, uma paciente psicótica percebeu que ele não estava bem e o alertou que ele tinha um problema de coração, apesar dele não acreditar que fosse algo grave. Depois da sessão, Winnicott teve a confirmação que o problema era de coração e fez questão de ligar para a paciente para lhe dizer que ela estava certa.

Essa percepção, embora possa estar presente no psiquismo do sensitivo, é ampliada através de uma técnica bastante usada nas “sessões”. Durante a consulta, o sensitivo vai tateando junto ao cliente, tentando perceber quais são os seus problemas edela jogando pistas para que ele por sua vez ofereça outras pistas. Seria como dizer que o vidente joga verde para colher maduro.

É bastante fácil fazer com que a pessoa, sem se dar conta, verbalize algo de si, sobretudo quando se trata de algo que a aflige. Hoje mesmo, durante uma sessão, uma paciente perguntou como eu sabia de tal coisa. Respondi: “Você me disse”. Ela não tinha se dado conta que se tratava de uma informação que ela tinha me dado.

Por um lado, temos a vontade da pessoa de “saber” o que na realidade já “sabe” no plano inconsciente ou subconsciente e, do outro, o desejo do vidente de “indagar” o que está oculto na vida do outro. Habitualmente isto resulta em algum tipo de “previsão” que faz sentido para a pessoa que buscou ajuda.

Quando me refiro ao que a pessoa já sabe, estou querendo dizer que a pessoa no seu inconsciente já tem uma “visão” das coisas, baseada nos seus desejos ou nos seus medos. No caso da nossa leitora, provavelmente já havia no inconsciente um medo de ficar sem emprego, antes do previsto (o que por sinal hoje em dia não é nada improvável). A leitura da mão apenas trouxe à tona algo que estava no inconsciente dela.

As previsões são na maioria dos casos profecias auto-realizadoras. Ou seja, sabendo que tal coisa vai acontecer, o inconsciente se predispõe para que de fato aconteça. Com isso o inconsciente traz à tona seus fantasmas ou seus desejos e se empenha para que se concretizem na vida real. Em se tratando de desejos, alguém poderia objetar que isso pode ser bom. Infelizmente, porém, nem sempre os desejos do inconsciente são de fato a melhor opção.

Creio que a melhor solução para a nossa leitora seja tratar a previsão da cigana como um medo que ela própria tem em relação ao seu futuro profissional. Não há nada vindo do além nisso. Conhecendo as atuais condições do mercado de trabalho é bastante previsível que ficar no mesmo emprego até 60 anos pode ser muito difícil.

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