Os riscos da amizade
Gostaria de responder esta pergunta de uma maneira diferente, fazendo de conta que tenha sido formulada por um paciente imaginário durante uma sessão no meu consultório. Convido o leitor a deitar no divã junto com o nosso paciente imaginário para que possa assim ouvir as respostas que surgem dentro dele, a partir do diálogo simulado entre paciente e analista no decorrer da sessão. Naturalmente o leitor poderá concordar ou discordar com as respostas do paciente imaginário e, dessa maneira, perceber o que ele “sente” a respeito. Peço porém que evite raciocinar e que tente apenas trazer á tona o que sente.
Vou chamar o analista de A e o paciente imaginário de P.
P – Quais riscos comporta uma amizade? Há pessoas que têm medo de apegar-se ao próximo, por isso preferem não se arriscar.
A – Vc. Considera a amizade arriscada?
P – De certa forma sim.
A – Por quê?
P – Já me dei muito mal tentando ser amigo de algumas pessoas. Na maioria das vezes me senti usado. Os amigos ligam somente quando precisam de alguma coisa, nunca ligam para perguntar como estou.
A – Então você está falando do risco de ser “usado”.
P – Sim, detesto ser usado. Acho que para que haja uma amizade verdadeira deve haver uma troca.
A – Ou seja, você poder também “usar” o seu amigo, quando estiver precisando?
P – (Silêncio)… Talvez seja isso que de fato eu espero. Mas não deveria ser assim?
A – Você acha que o uso recíproco tornaria a amizade menos arriscada?
>P – Na realidade não. Acho que o que eu sinto é medo de me arriscar. De me entregar.
A – Por quê?Procure adentrar o seu medo.
P – Tenho medo de me apegar ao outro e depois perceber que não devia.
A – Então você prefere não se entregar para não correr o risco de se sentir abandonado, de perder a amizade.
P – Provavelmente é isso.
A – Então o risco seria de ser abandonado pelo amigo depois de sua entrega?
P – Sim, detesto sentir- me abandonado.
A – E se o seu amigo não estiver em condições de “estar ali” quando você precisa? Se ele tiver compromissos que não podem ser adiados, ou se ele não estiver bem, não se sentir em condições de “carregar” os pesos de outra pessoa naquele momento?
P – Quer dizer que ele não é um amigo de verdade.
A – Ser amigo de verdade quer dizer ser sua “muleta” incondicional nos momentos difíceis?
P – Por quê? Está errado?
A – Não estamos falando de certo ou errado, estamos falando daquilo que você sente.
Você sente que o seu amigo deveria estar sempre disponível quando você precisa?
P – Sim é o que eu sinto, mas dito assim parece estranho.
A – O apego então estaria relacionado à sua necessidade do outro. É um vínculo que se estabelece não a partir daquilo que o outro é, mas em função daquilo que você precisa que ele seja.
P – E duro admiti-lo, mas creio que sim. Isto me faz sentir mesquinho.
A – O que você acha mesquinho?
P – Esperar que o outro possa estar à minha disposição desse jeito, sempre que eu precisar. Além do mais isto deve ser muito difícil para os outros. Ter um amigo
tão exigente vira um fardo para qualquer pessoa.
A – Então você se sente uma mala sem alça?
P – De certa forma sim. Quem agüenta alguém assim?
S – Você percebe que até na terapia você, sem perceber, tenta estabelecer esse uso onipotente do outro, no caso do seu analista?
P – Como assim?
A – Por exemplo, atrasando e tentando esticar a duração da sessão para além do limite do seu horário, desmarcando a sua sessão, para remarcá-la outro dia… Você acha que isso acontece também com seus amigos?
P – Sim, às vezes eles dizem que eu sou folgado, que atraso, que me esqueço de pagar a conta… Mas é porque com eles me sinto à vontade.
A – Então você acha que para se sentir à vontade você deve poder dispor do outro dessa forma?
P – Não tinha me dado conta disso. Não sabia de ser tão exigente. Creio seja algum tipo de carência. Preciso pensar mais nisso.